segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Cheiro de livro novo


* Publicado  nesta data em coletiva.net

Com os livros que produzi voltei a reviver a sensação que experimentava quando criança e recebia livros e cadernos novos, no início do ano escolar. Hoje, ao abrir o pacote com os exemplares recém chegados da gráfica, acariciar e folear o livro, sou transportado à infância do menino que compartilhava seu cotidiano – e o  material escolar - com mais sete irmãos.  Aqueles livros didáticos, especialmente, pareciam ter um cheiro só deles, um cheiro que não consigo descrever mas está entranhado lá dentro, em uma gaveta do cérebro reservada às grandes emoções.

Tanto os livros escolares como os cadernos eram encapados para mais bem conservá-los. Para isso, dona Thélia, minha mãe, usava papeis de presente, guardados zelosamente dos  aniversários e natais. Os livros, ai de quem riscasse neles porque seriam herdados, tantas vezes quantas fossem necessárias, pelo irmão que viria a seguir na série escolar. Os cadernos careciam de cuidados  redobrados porque os professores exigiam que  não tivessem  orelhas - aquelas dobras nas pontas - e nem manchas de qualquer natureza. Isso era levado em conta pelos mestres na hora da nota. Mesmo que os livros fossem legados, ano a ano, sempre havia um ou dois adquiridos virgens e estes eram motivo da desmedida satisfação do jovem estudante. Tinham cheiro de livro novo!

Me gratifica saber que não estou sozinho nessa nostalgia. Em evento recente promovido pela Associação Riograndense de Imprensa/ARI o médico e escritor JJ Camargo revelou que seu avô lá na Vacaria providenciava grandes lotes  dos lançamentos  da Editora Globo e assim que os livros chegavam eram cheirados  um a um.  “Quem não valoriza o cheiro  de livro novo, bom sujeito não é”,  afirmava o velho e letrado senhor, conforme relato rememorativo do neto. Voto com o avô, mas sem radicalismo quanto ao  caráter dos insensíveis olfativos.

Cheirinho de livro novo, esse é um prazer que se multiplica quando o livro é  de própria autoria. Por isso, sinto uma imensa pena dos  autores que tem suas obras imersas  nos e-books. E-books não tem cheiro.  E não me venham com  ciência, da mistura do papel e tinta, para explicar o que é memória afetiva e não resultado químico.

Acho mesmo que escrevo só para depois voltar a sentir o cheiro de livro novo dos livros da minha infância. Perdão pelo clichê: isso não tem preço.

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