* Publicado nesta data em coletiva.net
Com os livros que produzi
voltei a reviver a sensação que experimentava quando criança e recebia livros e
cadernos novos, no início do ano escolar. Hoje, ao abrir o pacote com os
exemplares recém chegados da gráfica, acariciar e folear o livro, sou transportado
à infância do menino que compartilhava seu cotidiano – e o material escolar - com mais sete irmãos. Aqueles livros didáticos, especialmente,
pareciam ter um cheiro só deles, um cheiro que não consigo descrever mas está
entranhado lá dentro, em uma gaveta do cérebro reservada às grandes emoções.
Tanto os livros escolares
como os cadernos eram encapados para mais bem conservá-los. Para isso, dona
Thélia, minha mãe, usava papeis de presente, guardados zelosamente dos aniversários e natais. Os livros, ai de quem
riscasse neles porque seriam herdados, tantas vezes quantas fossem necessárias,
pelo irmão que viria a seguir na série escolar. Os cadernos careciam de
cuidados redobrados porque os
professores exigiam que não
tivessem orelhas - aquelas dobras nas
pontas - e nem manchas de qualquer natureza. Isso era levado em conta pelos
mestres na hora da nota. Mesmo que os livros fossem legados, ano a ano, sempre
havia um ou dois adquiridos virgens e estes eram motivo da desmedida satisfação
do jovem estudante. Tinham cheiro de livro novo!
Me gratifica saber que
não estou sozinho nessa nostalgia. Em evento recente promovido pela Associação
Riograndense de Imprensa/ARI o médico e escritor JJ Camargo revelou que seu avô
lá na Vacaria providenciava grandes lotes
dos lançamentos da Editora Globo
e assim que os livros chegavam eram cheirados
um a um. “Quem não valoriza o
cheiro de livro novo, bom sujeito não
é”, afirmava o velho e letrado senhor,
conforme relato rememorativo do neto. Voto com o avô, mas sem radicalismo quanto
ao caráter dos insensíveis olfativos.
Cheirinho de livro novo,
esse é um prazer que se multiplica quando o livro é de própria autoria. Por isso, sinto uma
imensa pena dos autores que tem suas
obras imersas nos e-books. E-books não tem
cheiro. E não me venham com ciência, da mistura do papel e tinta, para
explicar o que é memória afetiva e não resultado químico.
Acho mesmo que escrevo só para depois voltar a sentir
o cheiro de livro novo dos livros da minha infância. Perdão pelo clichê: isso
não tem preço.
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