segunda-feira, 25 de novembro de 2019

O tempora! O cynismus!


* Publicado nesta data em coletiva.net.

Estamos vivendo a era de fortes confrontos de ideias e polarização extremada de posições, mas ainda existe espaço para o bom e honesto cinismo. Bom e Honesto, aqui, com sentido de generosidade, um cinismo pra não magoar.

Há pelo menos duas situações clássicas em que o cinismo se manifesta em seus melhores momentos.

- Não  leve a mal, porque é uma critica construtiva.

- Respeito muito tua posição, mas...

No primeiro caso, a advertência é seguida de uma crítica demolidora, que joga pra baixo o alvo da manifestação, só que atenuada pela tal crítica construtiva e o criticado nem se anima a reclamar. Não adianta, gente, critica é crítica e sua versão construtiva é uma balela.

A posição respeitada, no segundo caso, sobrevive apenas à primeira frase do contraditório, sendo desconstruída – ou destruída - na sequência. Respeito, uma ova!

E tem aquela muito usada para romper relacionamentos, sem provocar grandes ressentimentos: “O problema não é contigo, é comigo”. Pura falsidade!

No andar de cima o cinismo campeia e atinge o estado da arte. No STF, cada voto por  “ “amor à Constituição”, como diria aquele primo do Collor, na verdade, parece esconder a defesa de interesses pra lá  de questionáveis. No parlamento, aqueles “Vossa Excelência” quando dirigidos à adversários políticos são o que há de enganadores.  Mais do que tratamento cerimonial exigido pelo protocolo, representam embuste  em grau máximo.  Não é o que ocupante da tribuna pensa daquele “salafrário, que eu conheço bem”, que agora está a contestá-lo.  O protocolo é o cinismo institucionalizado.

Esse pessoal até poderia dar aula ao presidente Bolsonaro, que não tem o mínimo de refinamento na aplicação do cinismo, tanto no trato com adversários como com os companheiros. Bolsonaro surpreende - aliás, nem surpreende mais – por ser direto e transparente. Não tomem isso como elogio, apenas é o reconhecimento de uma situação de fato.

Em se  tratando de cinismo, o correto seria olhar para a Grécia  antiga, onde os cínicos eram conhecidos  por desprezarem as convenções sociais. Pessoas de vida errante, maltrapilhas,  empenhavam-se em discursar  contra os  valores morais da sociedade da época. Era uma corrente filosófica que tinha em Diógenes (século IV, a.C), apelidado de O Cínico, seu representante  mais expressivo.  Diógenes procurava a virtude de uma vida simples e natural,  dessa simplicidade e espontaneidade  de que são feitas as pessoas  do bem,  diferente da análise  do filósofo alemão Peter Slotedijk. Em “Crítica à razão cínica”, de 1983, ele descreve o cinismo da sociedade contemporânea  como reflexo de um individualismo extremo que o cenário mundial delineou para todos. Vale lembrar que Slotedijk esteve  em Porto  Alegre, em 2016, no Fronteiras do Pensamento.

A análise dele se aplica integralmente ao Brasil atual, um país  dividido em todos os níveis, pleno de intolerâncias, carente de lideranças confiáveis, terra do vale-tudo, de tênues barreiras entre o certo e o errado e onde o cinismo nas relações parece ser o sentimento unificador.

Pensando bem, de forma pragmática, talvez seja melhor assim. Nestes tempos conturbados em que vivemos já estou achando, em favor de um pouco de leveza no quotidiano, que uma boa dose de cinismo é necessária para o país e mal não faz.  Assim, sai de cena o brasileiro cordial de Sérgio Buarque de Holanda e entra o brasileiro cínico da era bolsonarista e pós-PT.  Vai ver são da mesma matriz.


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