sábado, 24 de julho de 2021

Dicionário da adolescência

Houve um tempo, quando só pensava naquilo, em que achava que prevaricar tinha a ver com práticas sexuais exóticas e  intensas. Imaginava algo parecido sobre  defenestrar, que seria tipo  perder a virgindade. Ah, tempos de mente pervertida! Hoje se sabe, graças à CPI da Covid, que prevaricação significa um crime funcional, praticado por servidor contra a Administração Pública para satisfazer interesse pessoal. É bem verdade que pode ser também praticar adultério, daí porque permite a interpretação maliciosamente erótica. Já defenestrar é atirar algo ou alguém pela janela, a fenestra latina.

Sei lá, preferiria que as duas palavras correspondessem à acepção original,  que eu dava a elas no dicionário da adolescência. Mesmo que equivocados, eram significados bem mais nobre e mais prazerosos  que os verdadeiros, ligados à corrupção e a crimes.

Sinto-me lisonjeado em verificar que Luiz Fernando Veríssimo já teve as mesmas dúvidas,   como admitiu na crônica Defenestração. “Certas palavras tem o significado errado. (...) Mas nenhuma palavra me fascinava tanto quanto defenestração”, escreveu o mestre Veríssimo e neste caso e em outros que ele exemplifica, assino embaixo reverente.

É que de um tempo  para cá, essas palavras compridas de significado dúbio voltaram invadir   meu vocabulário. Vai um exemplo:  procrastinação que cheguei a pensar tratar-se de sinônimo de prevaricação, ambas com uma sonoridade lubrica, que sustentaria o significado chegado à libertinagem juvenil.  Muita sonoridade desperdiçada para definir o atraso em realizar certa tarefa. Pior, procrastinação é prima irmã da vagabundagem e da enrolação.

Outro exemplo:  encapelado, termo que uso eventualmente para descrever a movimentação mais agitada das ondas do Guaíba, já foi confundida com escalpelamento, que é o ato de arrancar os cabelos do cabeça do sujeito, como víamos nos  filmes de índios x soldados no faroeste americano. Um horror esse engodo.

Engodo, palavra que, aliás, pode ser uma isca para atrair animais ou parte da terra levada por uma correnteza ou, ainda, o comportamento repleto de falsidade, que é o significado mais usual.  Bem que engodo poderia ser uma peça de motor, parente do virabrequim ou uma ferramenta como o rebolo, aqueles discos para afiar brocas. Bah, assim estou procrastinando o final deste texto. Hora de me defenestrar dele antes que me  acusem de prevaricação.

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