Hotel Melrose: treme-treme nos fins de semana
O repórter de campo anuncia no meio do jogo Grêmio x Flamengo:
- Vai entrar Matheus. Ele é filho de Bebeto e era o recém nascido saudado no gesto do “nana, nenê” pelo pai, no jogo contra a Holanda na Copa de 94.
A informação foi suficiente para voltar 18 anos no tempo e avivar minha memória, eu que era um dos tantos brasileiros presentes no velho estádio Cotton Bowl, de Dallas, e me vi torcendo descaradamente pela seleção do Parreira, contrariando minha índole de cronista esportivo sempre tão contido. Estava a serviço, pela Rádio Gaúcha, e o jogo Brasil x Holanda, pelas quartas de final, foi um dos dois únicos a que assisti ao vivo, em estádio em uma Copa, e que jogo! – o outro foi Arábia Saudita x Suécia, no mesmo Cotton Bowl, com Renato Marsiglia no apito.
1994: depois de coordenar quatro copas do mundo na
retaguarda fui finalmente escalado para a Copa dos Estados Unidos. Quase
não cheguei lá. No voo intercontinental , ainda no tempo da saudosa Varig, Varig, Varig tive uma
queda de pressão tão forte que pensei que ia retornar ao Brasil num
pijama de madeira, encoberto pelo pavilhão nacional e da RBS. Em frações de
segundos passou o filme da minha vida e eu me desesperei só de pensar que não
veria mais meus filhos. O atendimento dos comissários, entretanto, foi
eficiente e eu ainda contei com a assistência de uma verdadeira junta médica,
um grupo de profissionais paulistas reunidos a bordo rumo a um congresso nos
EUA. Logo me recuperei, mas o companheiro de viagem e de uma jornada de
52 dias em Dallas não sossegou. A cada movimento meu, nos desconfortáveis
bancos da classe econômica,
o engenheiro Gilberto Kussler tinha um sobressalto. Mas
sobrevivemos os dois.
Durante a Copa, convivendo a toda hora no nosso estúdio
do Centro Internacional de Radiodifusão, em Dallas , o nosso Giba,
gringão de Casca, profissional dos bons, tanto assim que hoje presta serviços a
rede Globo de rádios, tinha, porém, momentos de rabugice especialmente
quando eu escapava para fumar. Mas quando os trabalhos se encerravam lá pelas
10 da noite, era um grande parceiro para jantar e tomar uma cervejinha.
Numa dessas incursões noturnas descobrimos o London, London
,um restaurante ao lado do nosso hotel com uma comida maravilhosa, cerveja
sempre gelada e atendimento atencioso.
Atencioso até demais, eu diria. Já
na primeira noite, o garçon perguntou se gostaríamos de ficar num lugar mais
reservado. Recusamos a oferta e tratamos de comer, beber e, cansados da longa
jornada, nos recolhemos logo ao hotel.
No segundo dia, voltamos ao restaurante e foi aí que notamos a estranha
movimentação de casais do mesmo sexo nas mesas. Homem com homem, mulher com
mulher em discretas mas intensivas confraternizações. A essa altura o garçon já estava imaginando que
o alemão Kussler e eu formávamos mais um casal gay. A verdade é que a comida e
a bebida do London, London caíram no nosso gosto e, até pela conveniência e pelo preço da refeição, continuamos a
frequentar o local, se bem que evitávamos manifestações mais expansivas,
mantendo sempre uma postura circunspecta, como convinha.
Nosso hotel era o Melrose, uma construção vitoriana na entrada do bairro
que lhe empresta o nome. O bairro de Melrose é uma espécie de mistura de Cidade
Baixa com Bom Fim, zona boêmia de Dallas, de muita diversidade em todos os
sentidos. O hotel tinha um dos melhores
bares do gênero em todos os EUA, frequentado pela fina flor de Dallas, mas nas
sextas e sábados transformava-se num treme-treme pelas festas particulares e de
empresas, que bloqueavam um andar inteiro para os executivos e suas
acompanhantes. Se aqueles corredores, elevadores
e quartos falassem...
Minhas reminiscências daquela Copa da estada no Texas me obrigam a voltar ao
jogo Brasil x Holanda para afirmar, sem dúvida, que o juiz da Costa Rica
garfeou o time laranja, não marcando pênalti de concurso do Mauro Silva. Na real, seria uma injustiça perder aquele
jogo épico, depois dos belos gols de Romário, Bebeto – o gol da cena do “nana,nenê”
– e daquela falta cobrada pelo Branco, um canhonaço que garantiu a vitória.
À noite, as ruas centrais de Dallas foram invadidas por
torcedores do Brasil e da Holanda, estes
com suas lindas loiras e homens de cabeleiras também loiras, numa saudável
confraternização, regada a muita cerveja.
Hoje, passados 18 anos, pergunto aos mais ansiosos em
relação às obras da Copa: quantos estádios os
Estados Unidos construíram para o mundial de 94? Depois da hesitação do
interlocutor, respondo: Nenhum! Os americanos deram um trato em seus velhos
estádios, adaptaram para o futebol os campos destinados a outros esportes,
enveloparam antigas instalações e, a agora exigente FIFA, não chiou na época, aceitando
tudo em nome da abertura de um novo e promissor mercado para o futebol.
Em compensação, os aeroportos, a hotelaria,os outros
serviços dos EUA...
grande texto, excelente relembrar os momentos daquela aventura... o tempo passou muito rapido, 18 anos.....
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