segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Peripécias de um Contador

*Publicado nesta data em coletiva.net

Quem imagina que vida de Contador é um tédio por só lidar com números, papelada e burocracia é porque não conhece o dia a dia do Fábio.  Ex-militar, homem disciplinado, ele se impõe junto à clientela pela qualidade do seu trabalho, fruto de anos de experiência. Ocorre que parte da clientela dele é formada pelo pessoal  ligado ao ramo do entretenimento sexual, incluindo muitas  garotas da chamada vida fácil, que de fácil não tem nada.

Um exemplo é aquela proprietária de um estabelecimento de  encontros no bairro Partenon, que perdeu parte do movimento e do faturamento e, por isso, atrasou os pagamentos ao  responsável por manter a escrita da firma em dia. A dívida foi se acumulando até que a senhora fez uma proposta tentadora ao profissional,

- Sei que estou devendo, mas está difícil a coisa. O senhor não prefere receber em forma de massagens eróticas, daquelas completinhas? Garanto que o senhor vai gostar.

Quando perguntei ao Fábio se ele havia aceitado a proposta, o safo desconversou, depois de afirmar, afetando ingenuidade.

- Sinceramente não entendi do que se tratava a tal massagem...

Outro episódio ocorreu com uma cliente que se apresentou como Karyne Priscila (“Karyne com  K e y, seu Fábio”). A bela moça procurou Fábio para ter algum tipo de documento que permitisse apresentar no comércio, revelando seus ganhos. Ficou acertado que seria a Declaração do Imposto de Renda, aceita sem restrições para efeito de crediário. Em seguida, pediu que o documento fosse entregue no endereço de uma movimentada rua no Centro Histórico.

Dias depois, lá se foi nosso amigo para fazer a entrega do documento. Ao chegar no local indicado, um sobrado antigo, deparou-se com uma escadinha que, desde cima, emitia uma música barulhenta. Duas vezes safenado, Fábio subiu com dificuldade até o centro da barulheira e, lá chegando, quase precisou de mais uma safena. A algazarra era de uma festa de Hallowen em plena tarde, homens e mulheres fantasiados com trajes sumários, luzes e gritedo em profusão. Das trevas, surgiu a feiticeira mor, oferecendo os serviços da casa, que incluía acompanhantes e uma cabine exclusiva.

- NÃ,NÃ,NÃO, gaguejou Fábio. Estou procurando a Karyne,  que é minha cliente,- invertendo a lógica do local, onde os clientes são os visitantes e não as moças.

Eis que surge uma bruxa despudorada, de seios à mostra, chapelão pontudo e biquíni que simulava uma teia de aranha. Era a “cliente”. Mas as surpresas de Fábio não terminaram ai. Ao confrontar os documentos da bruxinha, descobriu que o verdadeiro nome dela era outro: Marivalda da Silva,

- Seu Fábio, o senhor acha que com o nome de Marivalda eu teria alguma chance nessa vidinha?, justificou Karyne Priscila, aliás, Marivalda.

Até hoje, Fábio não sabe se a moça tem conseguido fazer seus crediários com o nome de Karyne Priscila. Só acrescentou: “Olha, a renda dela até permitiria fazer compras à vista...”

E tem os casos dos clientes de atividades que não resistiriam a uma investigação, mas não é o caso de mexer com isso. Já o proprietário de um boteco pé-sujo num bairro pouco recomendável parecia ter um negócio sem rolos, só que deixou Fábio cheio de dúvidas quando fez uma estranha proposta para pagar o que devia pelos trabalhos do Contador:

O débito era, digamos, de R$ 1.800,00  e o cliente propôs entregar, para saldar a dívida, um revólver38 e uma pistola, de procedências pra lá de duvidosas. Entre pendurar a fatura ad eternum ou receber as coisinhas em troca, o homem das contas preferiu a segunda opção. A pistola, bem conservada, renderia R$200,00 no programa de Desarmamento da Policia Federal e o tresoitão, em vias de aposentadoria, mais R$ 100,00, - isso sem questionamentos do órgão sobre a origem das armas.

- Não tem aí uma metralhadora AR 15 ou uma bazuca  para completar o pagamento?- gracejou Fábio, que, pela experiência militar, sabia das coisas em termos de armamentos.

Diante da galeria de tipos e situações que fiquei conhecendo, já cheguei a conclusão que sou normal demais para figurar entre os clientes do Fábio. O homem tem cada cliente e cada história que é prudente guardar distância.

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