*Publicado nesta data em coletiva.net
O filme Jexi, um celular sem filtro
é uma comédia que recomendo por dois
motivos: tem realmente momentos de humor e é uma amostra de como se comporta
quem alimenta os portais de informação, especialmente se for de entretenimento
e sobre famosidades. É a história da
relação do personagem Phil (Adam Devine)
com seu novo celular, que se transforma num pesadelo tecnológico quando o
programa artificial do aparelho fica obcecado por ele. Jexi é a voz da
assistente virtual, supostamente feminina como a Siri da Aple, a Cortana da
Microsoft, a Alexa da Amazon, as mais demandadas.
O filme faz uma crítica bem humorada ao vício
ligado às novas tecnologias e aos ambientes que produzem conteúdos sem
conteúdo, e vale a redundância, de portais especializados em besteirol, de grande aceitação em determinadas camadas
da população, tanto assim que são repicados sem dó, inundando
as redes sociais. A academia
chama isso de fait divers, termo criado por Roland Barthes para fatos
superdimensionados que, em outras circunstâncias, não mereceriam tratamento
jornalístico. Primo-irmão das fake news.
No caso de Jexi, a cobrança do chefete na
redação do portal é pela produção de listas virais, tipo “Famosas que morreram
sem que você soubesse” ou “As mulheres de Harry Potter 20 anos depois; veja as
fotos”. Phil é craque nisso e fico
imaginando, se não fosse ficção, o que acontece quando ele ou um colega
consegue uma boa sacada, que vai viralizar e garantir muitos likes. Deve ter
bateção de sino e euforia entre os envolvidos, como ocorria nas redações que
frequentei quando criávamos a manchete ou o título perfeito, forte, atraente e elucidativo em 36
caracteres ou em duas linhas de 20 letras, cuidando com os “m” que
ocupavam mais espaço do que as outras
letras. Só não havia sino.
Trata-se de uma arte que foi levada ao
extremo pelo viés sensacionalista,
escrachado, ambíguo, para dizer o mínimo, dos jornais popularescos, repletos de
notas de sexo, crimes e de causas de interesse do povão. No Rio era o trio composto por A luta Democrática, O Dia e Última Hora e, em
São Paulo, o Notícias Populares, que
disputavam nos anos 1950 e 60 qual deles faria a chamada de capa mais
“vendável” pelos jornaleiros, no tempo em que existiam jornaleiros.
Eram conhecidos também como os diários
que “se espremer, sai sangue”, assim, no
popular, como convém. Sem citar os veículos, coisas do tipo “Ciumento manda bala na mulher
e atira no próprio bilau”, ou “Maluco abre cova e rouba pé da defunta”. O
deboche cruel faz parte, como nestas: “Vovozona
vai ter filho com netinho” ou “Roubou cabelo da esposa para comprar crack”, ou
ainda “Três homens apaixonados por uma égua”.
E tem as antológicas “Cachorro
fez mal a moça”, na verdade, uma notícia (sic) sobre a indisposição provocada por um cachorro quente, e a
“Violada no auditório”, nada a ver com sexo no palco, mas sobre o gesto
irritado do compositor Sérgio Ricardo de jogar o violão na plateia que vaiava
sua música no Festival da Record, ,em 1967. Espero não tê-los chocado com os
exemplos, mas eles são ilustrativos e
teria coisa pior.
O site Sensacionalista mantém essa tradição, digamos, burlesca, com
a ressalva de que não está tratando de casos reais. Dois exemplos: “Saci com
duas pernas sofre bullyng” e, claro, o presidente não poderia escapar:
“Bolsonaro se irrita com Guedes por falar mais merda que ele.”. O detalhe é que tem gente que
ainda acredita. De certa fora e mais contido, o jornal Meia Hora, do Rio, é remanescente hoje
do chamado jornalismo popularesco.
Não é preciso muito aprofundamento
acadêmico para relacionar esses formatos editoriais do passado com muitos dos
produtos digitais originários dos ambientes mostrados em Jexi. Quem é do ramo
sabe que hoje os responsáveis pelas edições on line dos principais
grupos de comunicação orientam seus
redatores e colunistas sobre o uso de determinados assuntos e palavras nos
textos e nas chamadas, porque assim
garantirão mais likes, bombando a matéria. Esse é o sonho de consumo dos envolvidos no processo
e o que justifica chamadas do tipo “Valor das dívidas
de Carlinhos Brown é inacreditável”, ou “Homem salvou uma
criatura debaixo da cama sem saber o que era”, criando uma expectativa sobre a matéria que não vai se confirmar na leitura. É também o caso
daqueles links patrocinados, travestidos de notícia, como “Anvisa libera pílula que estica a pele velha depois de 40
anos de idade”, sem informar quando e como a agência liberou o mágico produto,
que “virou febre em Porto Alegre” (a cidade varia) e que
é defendido pela “famosa dermatologista” dra. Luciana (sem sobrenome) e por
depoimentos de meia dúzia de consumidoras. Não faltam apelos eróticos como “Cléo
Pires posa de maiô cavado e seguidores vão à loucura nas redes sociais” e mais
esta “Luana Piovani frequenta bordel em Portugal: Sou apaixonada!”. Como resistir a estas chamadas?
Até eu, macaco velho, que só cozinho na terceira
fervura e em panela de pressão, embarco nessas furadas de vez em quando. Na verdade, sou
um cortejador de banalidades e,
como invejoso assumido e despudoradamente fascinado por estes titãs das
baixarias e suas manifestações, admito minha inferioridade intelectual em relação a eles, que fazem do pouco ou do nada, do trivial,
ordinário e efêmero, uma atraente sacada.
Assim, rendo minhas homenagens aos sensacionalistas em geral e aos
caçadores de likes em particular, sem
juízos de valor ou de mérito,
porque até pra banalidade o popularesco
criativo tem que ter talento, eu
diria muito talento
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