segunda-feira, 6 de julho de 2020

Quase uma estrela


De uma hora para  outra, passei a ser  convidado para participar  de programas em rádio, tv e lives,  nos quais  me questionam sobre os mais variados temas, alguns deles  sem que entenda um ovo. Já dava uma enganada na pré-pandemia como convidado em programas de esportes, normalmente como representante gremista, logo eu que por  tanto  tempo e por militar na chamada crônica esportiva, me mantive em silêncio compulsório sobre minha preferência clubística.  Os lançamentos de livros me renderam bons espaços, como um Frente a Frente na TVE, quando, numa maluquice  da produtora Silvia Dinelli, fui convidado para ser entrevistado e não entrevistador,  como em outras ocasiões.  Sobrevivi à empreitada, porém.

Só que agora, em plena pandemia, o fenômeno se mostrou mais intrigante.  Não lancei livros, não tem futebol para analisar e cornetear, não estou entre os  investigados  em fraudes do Auxílio Emergencial,  nem fui cotado para o ministério do Bolsonaro. Estou recluso em quarentena na morada da Osmar Melleti, saindo apenas para minha caminhada matinal no Calçadão de Ipanema e para buscar as provisões necessárias no supermercado. Mesmo assim, não passa semana sem que receba um ou dois convites, sempre honrosos e atendidos na maioria, para participar de bate papos a serem socializado. E ainda tem o prestigiamento e as mensagens positivas, até de gente de alto quilate intelectual,  sobre a minha diversão diária, que são as Reflexões (...)  postadas no  Facebook e sobre esta coluna semanal em coletiva.net.  Acho até que colaborei para o crescimento exponencial do portal (74%) no primeiro semestre deste ano.

A profusão atual de convites  pode ter uma explicação bem razoável: em tempo de pandemia, as atenções estão focadas em poucos assuntos, a pauta acaba ficando óbvia, repetitiva e rareiam as fontes, restritas aos especialistas nos temas, além das autoridades e lideranças políticas de sempre.  Assim, escapar de vez em quando desse cardápio previsível, com alguém com um repertório de bobagens, mesmo que este alguém seja eu, pode se constituir  num diferencial. Estou aberto a outras versões para o fato.

“Ih, lá vem ele de novo, bancando o falso modesto”, dirão meus detratores, poucos mas muito ativos. É gente que desconhece que não tenho vocação para a tagarelice midiática e, ainda, uma dicção que deixa a desejar, e que me induzem à inveja cinza  de alguns companheiros pela naturalidade frente às câmaras e microfones. E olha que  trabalhei nas principais emissoras de jornalismo de Porto Alegre e nunca me aventurei a aparecer além do trabalho de retaguarda. Poderia ter aprendido e investido numa carreira mais artística, mas não o fiz com receio de que poderia dar vexame, ainda mais com tantos talentos em volta. A autocrítica e a insegurança falaram mais alto.

Só não me tomem por um profissional frustrado e agora até deixo a modéstia de lado porque considero que fui um bom gestor e tive o reconhecimento como líder de equipes por onde passei, realizando-me plenamente.  Talvez a única frustração  decorra de não ter criado uma teoria qualquer, mesmo que estapafúrdia, mas que viesse ao encontro do que as pessoas querem ouvir e se iludir.  Já confessei em texto anterior o sonho de sair palestrando mundo a fora, fazer parte da galeria dos grandes conferencistas, frequentar os mais afamados ambientes acadêmicos, polemizar com o Juremir Machado e a turma do Timeline, aparecer nas janelas da GloboNews e da CNN, tertuliando com o Gabeira e a Monalisa Perroni, fazer caras, bocas e gestos estudados no Roda Viva,  quem sabe dividir bancada no Manhathan Connection e ser convidado para o Fronteiras do Pensamento  e  evento da Revista Voto. Bateria ponto no Sarau Elétrico, trocaria confidências nos espaços do Sergius Gonzaga e circularia garboso na Feira do Livro de Porto Alegre, mas adotaria uma postura blasé caso insinuassem que poderia ser o próximo patrono.  Apareceria mais que o padre Fábio de Melo e teria uma  agenda de dar inveja ao  Pondé e ao Karnal. Ao fim e ao cabo, daria mais palestras  que o Lula, o que não seria tão difícil, mas ganharia bem menos do que ele, o que também não seria tão difícil. 

Até inventei, tempos atrás, provocado pelo meu amigo Roberto D’Azevedo, a Teoria do Tédio, mas era uma bobagem tão grande, como essa de virar conferencista, que deixei de lado.  Assim, evito também em dar razão a outro amigo, o João Carlos Ferreira da Silva, vulgo Joca, atualmente exilado em Brasília, que se referia desairosamente a  este promissor intelectual e a todos com os quais queria  implicar: “Duas ou três frases de efeito, meia dúzia de truques e enganou toda uma geração.” Por enquanto só amealhei os truques, mas até para ser um engano geracional tem que ter talento, amigo Joca.

Agora, me deem licença que vou atender o telefone. Pode ser mais um convite, porque  já estou gostando dessa brincadeira de quase virar uma estrela midiática.

 (Não é brincadeira, não:  hoje dei entrevista aos guris da Rádio RWT, de Cachoeirinha, sábado foi à Rádio Terra FM, de Venâncio Aires, e amanhã participo, junto com o José Luiz Prévidi,  de live com o Nelson Dutra Filho. Por enquanto é isso...)

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