* Publicado nesta data em coletiva.net.
Confesso que sempre dou uma olhada nos obituários dos nossos jornais e, às vezes, sou
surpreendido com um conhecido que se foi sem que eu tivesse a informação. Confesso também que me preocupa muito a frequência
com que constato a perda de gente
próxima e aí vale aquela lógica, segundo a qual
quanto mais velho a gente fica, vai a mais velórios e enterros do que a casamentos.
É a lei da vida.
Já fui também fonte para necrológicos
de amigos e familiares e, em todos os casos, me esmerei nos elogios aos que nos
deixaram, embora em relação a uma ou outra figura, parentes à parte, haveria
histórias pra lá de escabrosas para contar.
A troco do quê trato
deste assunto funéreo, ainda mais nestes pandêmicos tempos de baixo
astral. É que sou altamente sugestionável,
vale dizer movido pelas enticadas dos outros e foi o que ocorreu a partir de uma
postagem no Facebook do meu bom e talentoso
amigo Márcio Pinheiro. O Marcito, como gosta de ser chamado, conseguiu publicar um texto leve, atraente e informativo
sobre obituários, tendo como foco a seção do New
York Tiimes/NYT, na verdade, uma crônica de celebração à vida sobre os
falecidos. Esse processo editorial foi tema de livros nos EUA e também aqui, no
caso a antologia organizada por Matinas
Suzuki Jr., intitulada O Livro da Vida, reunindo obituários publicados pelo
jornalão americano. Segundo Suzuki, o obituário é a “pauta de Deus”, uma ótima
definição sobre o que não temos controle e para quem acredita em divindades.
O que me ocorreu ou a pilhada que me moveu, foi imaginar um exercício, por insidioso e cruel que possa resultar, de como
seria nosso necrológico. O que diriam a nosso respeito as fontes consultadas? Que tratamento seria dado a nossa existência? Mereceríamos,
como no NYT , “textos curtos, mas não superficiais, curiosos,
mas não bobos, emotivos, mas sem escorregar para a pieguice, enfim, relatos escritos na medida
certa, respeitando o rigor jornalístico, mas sem perder a ternura”, como
destacou o Marcito, num parágrafo irretocável, que eu gostaria ter escrito.
Lembro de como fui acarinhado em uma das
minhas tantas despedidas profissionais, que até pensei tratar-se de um
obituário antecipado. Deixei de ter defeitos, passei
a ser uma pessoa maravilhosa e um chefe exemplar. Meu bom humor destacado, minha competência profissional
enaltecida, a generosidade reconhecida. Era doce e meigo; inspirador e
motivador; irônico e debochado, aqui incluídos também como elogios. Bobagens
que um dia pronunciei viraram mantras. Concedi benefícios, fiz favores e
estendi a mão para mais pessoas do que imaginava. Fui atento nas atividades
profissionais e sensível nas questões pessoais. Um exemplo de cidadão. O cara! Ok,
tem uma boa dose de cinismo nisso daí.
Hoje, já haveria acréscimos, algo exagerados também em
certas lembranças, tipo “escritor de
sucesso e blogueiro criativo”, e não
faltariam menções, não contestadas porque verdadeiras, ao marido e pai amoroso e ao avô sem igual.
Enfim, acho que este
texto cumpre um papel relevante para o seu autor, indicando como, enquanto
defunto, ele gostaria de ser retratado.
Quem for escrever meu obituário, procure fontes confiáveis, aquelas que
possam ser generosas nos elogios e comedidas
nas revelações menos nobres. Um pouco de solenidade e um tom épico nas
realizações serão bem-vindos. Caso contrário,
virei pegar o pé dos detratores e povoar os sonhos deles com os piores
pesadelos, onde graves defeitos e aquelas sacanagens recônditas surgirão como
um tormento em forma de necrológicos em jornais de grande circulação.
Brincadeiras
à parte, agora, se me permitem, vou lá fora aproveitar para me encharcar de vida.
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