terça-feira, 30 de junho de 2020

O grande ausente


* Publicada em 29/06 em coletiva.net
Como o futebol está vivendo de saudade resolvi vasculhar o baú  da memória e resgatar uma situação que se repetiu com seleção a brasileira em Copas do Mundo. Batizarei o caso de O Grande Ausente.
Começo por Tesourinha, o craque gaúcho que brilhou na dupla  Grenal e no Vasco, mas fjcou  de fora da Copa de 1950  por causa de uma grave lesão nos meniscos. Até hoje resiste a dúvida: o resultado do Brasil naquela Copa seria outro com a presença em campo do talentoso Tesourinha? O tempo é o senhor da razão, mas neste caso a dúvida ficará para todo o sempre.
Na Copa de 58, outro ponteiro poderia assumir a função de “o grande ausente”. O genial Garrincha era considerado irresponsável e sem condições de vestir a camisa amarela, porém, a pressão dos companheiros de time sobre a comissão técnica garantiu a escalação do craque de pernas tortas e também de um menino de 17 anos fadado a ser rei,  Pelé. A história, nunca confirmada, é contada por quem viveu os bastidores daquela seleção. A verdade é que os dois estrearam juntos e deram show contra a então União Soviética (2 x 0), depois de um frustrante empate sem gols contra a Inglaterra.
Na Copa seguinte, no Chile, Garricha e Pelé seriam novamente protagonistas, mas  Pelé acabou sendo “o grande ausente” depois de uma grave contusão no jogo contra a Tchecoslováquia. Garrincha, secundado por Amarildo, assumiu a condição de grande estrela do Brasil naquela Copa.  Em 66, “a grande  ausência” foi de organização da então CBD e a nossa seleção não passou das oitavas-de-final, na Inglaterra.
Na Copa do Tri, o craque Dirceu Lopes, do Cruzeiro, teria sido “o grande ausente”, mas vamos combinar que não fez falta num time repleto de foras de séries, especialmente no meio campo, onde ele atuava. Diferente de Tostão, que quase não foi ao México  devido a uma lesão no olho esquerdo e que seria, de fato, uma ausência sentida na formação idealizada por  Zagalo.
Já em 1972 a ausência do titular do Tri, Everaldo, na seleção brasileira para a Copa do Sesquicentenário quase resultou em uma nova versão da Revolução Farroupilha. Para compensar a desfeita aos gaúchos, a CBF promoveu um jogo que se tornou memorável: Seleção do RS x Seleção Brasileira. No Beira-Rio lotado nossas façanhas serviram de modelo pelo menos a todo o país e a  Seleção Gaúcha, treinada por Aparício Vianna e Silva, arrancou um empate em 3 x 3 contra os, na época, indesejáveis brasileiros.
Corta para 1978 e o registro de uma das maiores  e mais injustas burradas de um técnico da seleção. O jovem Paulo Roberto Falcão já era considerado craque do Internacional, mas por razões até hoje não explicadas, foi preterido por Cláudio Coutinho, que preferiu levar à Copa da Argentina o vigoroso e limitado Chicão, do São Paulo. Como em todos os casos de ausentes,  fica a dúvida se com Falcão o resultado do Brasil seria outro que não o terceiro lugar.
Em 1982, outro jogador da dupla Grenal, o goleiro Leão, em grande fase no Grêmio, foi inscrito no panteão dos “grandes ausentes”. O técnico Telê Santana optou por Valdir Peres, do São Paulo, mais fácil de conviver no dia a dia do que o mala do Leão, mas tecnicamente bem inferior,  numa seleção repleta de craques. A bem da verdade e com o distanciamento histórico a favor, não dá para debitar a  Valdir Peres a desclassificação diante da Itália, de  uma seleção que encantou o mundo, mas nada conquistou. 
Vai ver era sina: em 1986 outro jogador do futebol gaúcho e do Grêmio, que teria vaga garantida na seleção de Telê, ficou fora da Copa. Renato, que ainda não tinha acoplado o Gaúcho ao nome, foi cortado antes da viagem ao México. Motivo: ele e o lateral Leandro foram punidos por alegada indisciplina, ao se atrasarem na volta à concentração. De novo, é difícil dizer se a qualidade e vitalidade de Renato fariam com  que a envelhecida  seleção daquela Copa repetisse a conquista de 70 no mesmo México.
Em  1994, na campanha do Tetra, Edmundo, então no Palmeiras, foi considerado com qualificação para ser “o grande ausente”, mas a verdade é que não fez falta na campanha do Tetra, nos EUA.  Em 1998 quem poderia ter feito falta  foi Juninho Paulista, em grande fase no Atlético de Madri, mas recuperado em cima da hora de uma lesão, não foi  chamado por Zagalo. Se bem que quem fez falta mesmo na França foi um Ronaldo em plena forma na  final, sem os problemas que apresentou antes do jogo e que abateram todo o time.
Em 2002, ainda se recuperando de uma grave lesão no joelho, Ronaldo poderia ser “o grande ausente” e ceder seu lugar para Romário na seleção de Luíz Felipe Scolari. Não aconteceu nem uma coisa, nem outra. O clamor popular para a convocação do Baixinho não funcionou e a aposta de Felipão na volta de Ronaldo deu mais do que certo: ele formou um trio imbatível com Ronaldinho e Rivaldo e foi o goleador da Copa Japão-Coréia do Sul, coroando a conquista  do penta mundial;.
Saltamos para 2010 e na campanha da África do Sul dá para considerar a não convocação de Neymar, que brilhava no Santos, como inclusa na categoria dos “grandes ausentes”. Pode ter sido revanche do técnico Dunga contra o futebol do centro do país por ter preterido tantos gaúchos no passado, mas aí já vira teoria  da conspiração.
Neymar apareceu como o grande personagem da seleção brasileira nas Copas seguintes. Em 2014, foi “o grande ausente”,  em meio à disputa,   após a lesão na coluna por conta da joelhada assassina de um colombiano. Fica a questão: com ele, o vexame dos 7 x 1 para a Alemanha não teria ocorrido? De novo, vá saber.
Por fim, na Copa da Rússia, nosso craque esteve mais presente nos memes que debochavam do seu cai-cai, tornando-se, sim, “o grande ausente” quando a seleção mais precisou do futebol dele, no jogo da eliminação, contra a Bélgica.
Nesta incursão nostálgica ao futebol e aos tempos em que militava no jornalismo esportivo,  chego aos dias atuais e a uma analogia,  constatando que “o grande ausente” não é único,  mas milhares,    disseminados mundo a fora e em processo de expansão: Sua Excelência o Torcedor. Nos países onde a bola voltou a rolar e nos que vão retomar à atividade, os templos  do futebol estão e serão vedados aos seus mais fiéis súditos. Depois da bola, não há nada mais importante no futebol do que o Torcedor (em caixa altra, de propósito). Porém, o protocolo ditado pela  pandemia mantém ele distante e aos amantes do esporte só resta torcer para  que  o vírus maldito seja expulso para todo o sempre e que a vida  renasça, intensa, eufórica,  bagunçada que seja, voltando a colorir  todos os estádios.   E, com fervor, roguemos para que seja logo.


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