segunda-feira, 4 de maio de 2020

Qual a pergunta?

* Publicado nesta data em coletiva.net

Sei que é coisa de veterano começar assim, mas não resisto em afirmar que sou do tempo em que seriado na TV era Bonanza, com a família Cartwright, ou outros de faroeste como Bat Masterson,  o Homem de Virgínia e, um pouco mais antigo, o Patrulheiros do Oeste, que na Tv Tupi virou Patrulheiros Toddy.  Inesquecíveis seriados e suas aberturas musicais bem características,  como Os Intocáveis, a saga em preto e branco de Eliot Ness contra os mafiosos de  Chicago; os policiais, como O Fugitivo, que virou filme com Harrison Ford no papel do fujão dr. Richard Kimble, assim como Brian de Palma dirigiu a versão cinematográfica de Os Intocáveis, com Kevin Costner e Sean Connery.  Impossível não citar os precursores seriados hospitalares, como Dr. Kildare ou Ben Casey, ou de guerra, como o Combate, com Vic Morrow e seu pelotão na Segunda Guerra, e os de ficção científica, como Além da Imaginação e Túnel do Tempo. Tinha até produção nacional, O Vigilante Rodoviário, com o patrulheiro Carlos e seu inseparável pastor alemão Lobo.

Sorry, se tive uma crise de nostalgia televisiva, que seria dispensável nestes tempos de excesso de oferta de séries em canais abertos, fechados e, sobretudo, em serviços de streaming como Netflix e Amazon Prime.  Hoje tem roteiros  de todos os  gêneros, para todos os gostos  e das mais variadas procedências e não apenas dos EUA, como antigamente. Uma exceção era a série mais diferenciada daquela fase, cult diríamos hoje, a britânica O Prisioneiro.

Mil perdões se apelo novamente para a nostalgia e relembro, com a ajuda do Google e para quem  não teve o privilégio de assistir na TV, a sinopse e detalhes  de  O Prisioneiro, criada por  Patrick McGoohan, considerado o Frans Kafka das séries televisivas. Em parceria com George Markstein, ele criou um universo próprio, sombrio, repleto de dúvidas e inseguranças, tal qual o período sócio-político e econômico no qual a série foi concebida e exibida. A história gira em torno de um agente (interpretado pelo próprio Patrick McGoohan) que pede demissão de seu cargo para logo depois acordar em uma ilha, conhecida como Vila, onde uma nova sociedade o aguardava. Sua casa foi reproduzida em todos os detalhes, mas, da porta para fora, não era Londres que ele via, e, sim, uma espécie de resort para onde, supostamente, agentes do mundo inteiro, aposentados ou afastados, eram levados. Cada um correspondia a um número. (Será que foi nessa série que Bolsonaro se inspirou para numerar os filhos?)

Nosso agente passou a ser conhecido como Número 6, tendo o Número 2 como uma espécie de governador do local. O Número 2 queria saber os motivos pelos quais o Número 6 tinha pedido demissão, resposta que nem ele e nem o público conseguiram. Cada episódio era carregado de duplo sentido e metáforas. A série se transformou em matéria de Semiótica em faculdades dos EUA e Inglaterra. Até hoje é possível  descobrir novos elementos, visto que o tempo fez com que símbolos e signos apresentados na série pudessem ter uma nova interpretação.  A influência chegou até a animação, tanto assim que a série Os Simpsons homenageia O Prisioneiro num episódio com o ator/agente em seu papel de Número 6.

Na verdade, O Prisioneiro refletia muito do auge da guerra fria, e é uma dessas produções, consideradas à frente de seu tempo. Arriscaria incluir nessa relação as modernas Twin Peaks. de David Linch, e mesmo Lost, de J.J.Abrams, todas tendo em comum bons roteiros, bons diretores e uma história centrada em um grande mistério.

Em O Prisioneiro, uma enorme bola zelava para que os exilados na ilha não fugissem e esse elemento dramático se prestava a mil interpretações, assim como uma cena que ficou marcada como uma das mais representativas da polêmica série. Foi assim: o Número 2 apresentou ao Número 6 uma máquina fantástica, que poderia responder a todas as perguntas da humanidade (olha o  bisavô do Google aí) e desafia o Número 6 a fazer uma pergunta à geringonça cheia de luzes piscantes. O Número 6 encaminha a pergunta e em seguida a máquina começa a se autodestruir, até explodir de vez. Em pânico, o Número 2 questiona:

- Qual foi a pergunta?

- Por que? responde o Número 6  e vira de costas para o interlocutor, enquanto sobem os créditos e surge a característica musical da série.

Confesso agora que lembrei dessa série porque hoje somos todos prisioneiros e ainda não sabemos qual a pergunta e muito menos a resposta que pode destruir o opressor que nos cerceia a liberdade.



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