Sei que é coisa de veterano
começar assim, mas não resisto em afirmar que sou do tempo em que seriado na TV
era Bonanza, com a família Cartwright, ou outros de faroeste como Bat
Masterson, o Homem de Virgínia
e, um pouco mais antigo, o Patrulheiros do Oeste, que na Tv Tupi virou Patrulheiros
Toddy. Inesquecíveis seriados e suas
aberturas musicais bem características, como Os Intocáveis, a saga em preto e
branco de Eliot Ness contra os mafiosos de
Chicago; os policiais, como O Fugitivo, que virou filme com
Harrison Ford no papel do fujão dr. Richard Kimble, assim como Brian de Palma
dirigiu a versão cinematográfica de Os Intocáveis, com Kevin Costner e
Sean Connery. Impossível não citar os
precursores seriados hospitalares, como Dr. Kildare ou Ben Casey,
ou de guerra, como o Combate, com Vic Morrow e seu pelotão na Segunda
Guerra, e os de ficção científica, como Além da Imaginação e Túnel do
Tempo. Tinha até produção nacional, O Vigilante Rodoviário, com o
patrulheiro Carlos e seu inseparável pastor alemão Lobo.
Sorry, se tive uma crise
de nostalgia televisiva, que seria dispensável nestes tempos de excesso de
oferta de séries em canais abertos, fechados e, sobretudo, em serviços de streaming
como Netflix e Amazon Prime. Hoje tem
roteiros de todos os gêneros, para todos os gostos e das mais variadas procedências e não apenas
dos EUA, como antigamente. Uma exceção era a série mais diferenciada daquela
fase, cult diríamos hoje, a britânica O Prisioneiro.
Mil perdões se apelo
novamente para a nostalgia e relembro, com a ajuda do Google e para quem não teve o privilégio de assistir na TV, a
sinopse e detalhes de O Prisioneiro, criada por Patrick McGoohan, considerado o Frans Kafka
das séries televisivas. Em parceria com George Markstein, ele criou um universo
próprio, sombrio, repleto de dúvidas e inseguranças, tal qual o período
sócio-político e econômico no qual a série foi concebida e exibida. A história
gira em torno de um agente (interpretado pelo próprio Patrick McGoohan) que
pede demissão de seu cargo para logo depois acordar em uma ilha, conhecida como
Vila, onde uma nova sociedade o aguardava. Sua casa foi reproduzida em todos os
detalhes, mas, da porta para fora, não era Londres que ele via, e, sim, uma
espécie de resort para onde, supostamente, agentes do mundo
inteiro, aposentados ou afastados, eram levados. Cada um correspondia a um
número. (Será que foi nessa série que Bolsonaro se inspirou para numerar os
filhos?)
Nosso agente passou a ser
conhecido como Número 6, tendo o Número 2 como uma espécie de governador do
local. O Número 2 queria saber os motivos pelos quais o Número 6 tinha pedido
demissão, resposta que nem ele e nem o público conseguiram. Cada episódio era
carregado de duplo sentido e metáforas. A série se transformou em matéria de
Semiótica em faculdades dos EUA e Inglaterra. Até hoje é possível descobrir novos elementos, visto que o tempo
fez com que símbolos e signos apresentados na série pudessem ter uma nova
interpretação. A influência chegou até a
animação, tanto assim que a série Os Simpsons homenageia O
Prisioneiro num episódio com o ator/agente em seu papel de Número 6.
Na
verdade, O Prisioneiro refletia muito do auge da guerra fria,
e é uma dessas produções, consideradas à frente de seu tempo. Arriscaria
incluir nessa relação as modernas Twin Peaks. de David Linch, e
mesmo Lost, de J.J.Abrams, todas tendo em comum bons roteiros, bons
diretores e uma história centrada em um grande mistério.
Em O
Prisioneiro, uma enorme bola zelava para que os exilados na ilha
não fugissem e esse elemento dramático se prestava a mil interpretações,
assim como uma cena que ficou marcada como uma das mais representativas da
polêmica série. Foi assim: o Número 2 apresentou ao Número 6 uma máquina
fantástica, que poderia responder a todas as perguntas da humanidade (olha o
bisavô do Google aí) e desafia o Número 6 a fazer uma pergunta à
geringonça cheia de luzes piscantes. O Número 6 encaminha a pergunta e em
seguida a máquina começa a se autodestruir, até explodir de vez. Em pânico, o
Número 2 questiona:
- Qual foi a
pergunta?
- Por que?
responde o Número 6 e vira de costas para o interlocutor, enquanto sobem
os créditos e surge a característica musical da série.
Confesso agora
que lembrei dessa série porque hoje somos todos prisioneiros e ainda não
sabemos qual a pergunta e muito menos a resposta que pode destruir o opressor
que nos cerceia a liberdade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário