segunda-feira, 18 de maio de 2020

Perguntas e respostas


* Publicado hoje em coletiva.net
Quem diz o que quer ouve o que não quer. Lembrei desse  dito ao assistir à inquisição de uma advogada na bancada de um programa de TV sobre as medidas do governo estadual de combate à pandemia.  Incisiva e bem-falante, a moça chamou o  governador de tirano e ouviu  como resposta, em tom educado é  verdade, que ela era  uma ignorante. Nos tempos de repórter que um dia fui, logo aprendi que a gente precisa estar preparado para o rebote - ou bote - do entrevistado depois de uma cutucada que estava fora das perguntas “papai-mamãe”.

Observo, penalizado e solidário, a Via-crúcis diária dos repórteres que cobrem as saídas presidenciais  no Alvorada, submetidos a toda a série de imprecações bolsonarianas. Se for da Folha de S.Paulo e da Globo, pior  ainda. O bônus negativo é  levar uma vaia  dos militantes que acompanham esse ritual diário. Lidar com autoridade não é fácil e quanto mais alto o cargo, mais difícil fica. Como jornalista e assessor de imprensa já estive dos dois lados do balcão e vos falo com absoluto conhecimento de causa.

Aí dá uma inveja de ver filmes  e séries de outros países, nas quais os entrevistadores apertam autoridades e, sem se acovardarem diante da reação negativa da fonte, persistem com seus questionamentos. Mas filme é filme e realidade é outra  coisa. Basta ver as coletivas do Trump e as pedradas que ele dispara contra  os profissionais  credenciados na Casa Branca. Não leva livre nem aquelas loiras exuberantes, que todo o  canal de TV americano tem em seus quadros, e olha que o Trump é do ramo em matéria  de loiras bonitas.

Sobre as relações imprensa x autoridades recomendo na Netflix uma série croata,  O Jornal, que todo profissional de Comunicação deveria assistir porque parece que se passa no Brasil atual. Na série, os grandes embates  em entrevistas oferecem também algumas lições, mesmo que seja em nível de ficção.  O melhor exemplo é o entrevistador estar sempre munido de informações adicionais – se forem  documentadas, mais eficazes ainda; vide Daniel Scola x Osmar Terra na Rádio Gaúcha, na última quinta-feira – para não pagar mico diante de um entrevistado bem preparado e agressivo.  Já estes em O Jornal apelam sempre para a  mesma saída, investidos de pauteiros: “Qual  a relevância disso?” ou “Isso não é relevante”, para passar a ideia de que o entrevistador está mais preocupado com aspectos superficiais e não com o foco do tema em debate.  A questão é: quem estabelece a relevância?  Cabe a audiência discernir, é a resposta cabível.

Tem outra situação que todos já vivemos, seja numa entrevista, seja numa discussão: “Putz, por que não falei aquilo?” Aquilo seria uma réplica ou tréplica  contundente, para que o abusado saiba com quem está  tratando. Passou o momento é tarde, mas sossega que o lapso acontece até com os mais espertos, nos melhores e piores embates.

Para escapar da corneta de que só falo de maus exemplos, acrescento que conheço autoridades que levam tudo numa boa, como aquele ex-governador com 80 anos ou mais, a quem, inconveniente e um tanto debochado, perguntei qual era o segredo da sua boa forma. A resposta  foi rápida, firme, só não sei se sincera:

- Sexo, meu filho, muito sexo.

Pois é, tenho mais medo das respostas do que das perguntas.

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