* Publicado em 11/05/2020 em coletiva.net
Sabem aquele parente
inconveniente que todas as famílias têm? Bem, confesso, envergonhado, que sou
eu nos Vieira Dutra. Cansei das vezes em que disse coisas inapropriadas,
constrangi familiares e visitantes, tomei umas a mais nas festas, mordi bebês,
impliquei com a criançada, provoquei cizânias e discórdias, sem contar outras
bobagens que nem lembro mais.
E tem a sessão
trapalhadas. Um ramo da família sempre me joga na cara o dia em que lancei na
churrasqueira o custoso aparelho ortodôntico de um sobrinho, que estava
envolvido em um guardanapo – o aparelho, não o sobrinho. Pensando que era só um
guardanapo, lá se foi o embrulho para as brasas. Foi um pequeno incidente perto
de outros que até me permito omitir. E as gafes, hein! Cometi e cometo aos montes, a maioria por
querer bancar o engraçadinho, mas isso também não vem ao caso agora.
Meus filhos, pela
proximidade, foram os que mais sofreram com minhas inconveniências. O Rafael, antes
de trazer as namoradas e apresentar à família, alertava: “Pai, olha o que tu
vai falar”. Bobagem dele, porque eu sempre dizia a mesma coisa: “Quais suas
intenções com meu filhinho?”. A Mariana,
de tanto acompanhar este ritual, quando vinha com seu esquerdista
do momento, o rapaz já se antecipava
dando conta das suas intenções. Ato contínuo, querendo agradar o potencial
sogro, me entregava um fardinho de cerveja da marca “promoção” e depois expropriava,
em proveito próprio, quase toda a minha reserva de cevas premium.
As amigas da Flávia
frequentavam aos bandos a morada da Osmar Meletti e, claro, faziam várias
refeições com a família. Uma das minhas intervenções preferidas nessas
ocasiões era exclamar: “Mas o que come
esta tua amiga!”, com direito a ponto de exclamação. As coitadas não sabiam onde se enfiar e,
talvez por isso, começaram a rarear as comensais na casa. Devo ter feito uma
brincadeira parecida com um sobrinho que estava passando uma temporada conosco
e o guri chegou a recusar batata frita.
Repito: o guri recusou batata frita!
Posso ter causado alguns
malefícios entre as relações familiares, mas ninguém virou serial killer por
isso, nem rompeu comigo. Faço essas
digressões confessionais agora que estou confinado, imaginando que esse
isolamento possa ter outra razão além de eu pertencer ao grupo de risco dos
60+. A insistência dos familiares para que não fique circulando por
aí me leva a crer que o que eles querem
mesmo é evitar novas inconveniências nas interações com terceiros. A eles devo
lembrar que um dia a pandemia passa, mas não garanto pelo meu comportamento
pós-coronavirus. É que muita coisa ficou
represada e, como os abraços que precisaremos trocar, vou resgatar o tempo
perdido. Creiam, é uma forma de expressar interesse e afeto,
pois só quem a gente ama merece a
atenção de uma inconveniência.
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