terça-feira, 6 de outubro de 2009

Quase lá

Ainda não completei 60 anos, mas estou quase lá. Aos 59 me sinto na plenitude das minhas capacidades, cabeça arejada, sem maiores problemas físicos, não fosse o cigarro, e pronto para o que der e vier. Meu 0800 de reclamações sobre desempenho sexual não tem sido acionado, só não me peçam para apresentar testemunhas. (Até teria algumas histórias picantes pra contar, mas aí são outras crônicas...). Enfim, estou enfrentando essa quadra da existência sem maiores sobressaltos, não fossem alguns incidentes que passaram a me incomodar. A começar pelo fato de que me dei conta, onde trabalho, de que sou o mais velho entre meus pares. Essa é uma realidade dura de se constatar, embora me sinta mais jovem do que muitos deles, e conviva bem com gente de todas as idades. Observo também que recebo cada vez mais o tratamento de "senhor", sem contar o abominável "tio" quando se trata de gurizada. Mas a pior das situações, a prova inconteste de que a idade está pesando na aparência, o que está mexendo mesmo com minha auto-estima, tem acontecido nas idas aos bancos.
Por algum motivo que não vem ao caso, tenho freqüentado com mais assiduidade do que gostaria as filas bancárias. Alguns estabelecimentos têm senhas especiais para idosos, que disputam atendimento preferencial com grávidas, ppds e senhoras com crianças no colo. E aí começam meus constrangimentos. Na primeira vez que recebi a senha especial achei que era engano, mas não devolvi. Não pensem que me aproveitei de um privilégio a que não teria direito. Na verdade, fiquei tão chocado que não tive coragem de pedir a senha dos comuns mortais. Ainda pensei em me dirigir ao caixa simulando algum defeito físico para me encaixar em outra categoria de atendimento especial, mas achei que seria muita desfaçatez.
A história se repetiu duas outras vezes e de novo não devolvi a senha e também não desfrutei de benesses, porque a fila do caixa especial estava tão congestionada quanto as outras. A consciência ficou tranqüila, mas a repetição dos fatos, confesso, me perturbou. Não culpo as moças e moços que distribuem as senhas. Em dúvida, eles direcionam para o caixa especial, certamente para evitar o constrangimento de perguntar a idade. Depois me dei conta de que a barba e os cabelos brancos, herança genética da dona Thelia, minha mãe, estão induzindo o julgamento equivocado do pessoal dos bancos. Só pode ser isso, porque não me visto como idoso, não tenho postura nem atitudes de idoso - e aí não vai nenhum preconceito, mas apenas constatações.
Apesar de tudo, fica a certeza de que a triagem dos estagiários dos bancos não vai mudar minhas decisões de não pintar os cabelos, não usar rabo-de-cavalo tipo traficante colombiano, nem sair às ruas de camisa regata. É preciso chegar aos 60 e mais com um mínimo de dignidade. E a gurizada dos bancos que se prepare: um dia ainda acerto uma bengalada neles.

* Publicado originalmente em Coletiva.net, em 11/03/2008

2 comentários:

  1. Crônica muito boa. Parabéns pela iniciativa do blog. O nome está ótimo. Fique sabendo que já tens um leitor assíduo.
    Abraços,

    Vinícius Spindler

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  2. Sim, blog pode ser literatura e a prova está nesta crônica. Aguardo novas publicações. Parabéns!

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