quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Circo de Petrópolis I: Uma noite no Senegal

“Era tanta palhaçada que para virar circo só faltava a lona”

Naquela fase da vida, lá pelos 16, 17 anos, em que só temos futebol e sexo na cabeça, um grupo de potenciais bandalhos de Petrópolis freqüentava na rua Alegrete um clube que apelidamos de Figueirinha ou Fogueirinha. O nome oficial era Clube Senegal, uma exaltação a negritude da maioria dos freqüentadores. Era uma velha casa de madeira, com um pátio grande atrás onde funcionava também um terreiro de umbanda.

Sábado à noite, depois das primeiras rodadas de cerveja, batíamos ponto lá, na esperança de conquistar alguma moçoila que, quem sabe, seria generosa e nos concederia seus favores sexuais. O local tremia quando começavam as dancinhas, embaladas por um velho DJ. O homem sabia o que aquele público gostava e emendava sucessos de Tim Maia, Renato e seus Blue Caps, versões dos Beatles, músicas para dançar agarradinhos e de olhinhos fechados - estávamos no final dos anos 60. Mal comparando, seria um baile funk de hoje.

Nós ficávamos a beira da pista de dança, sondando o ambiente e mirando presas em potenciais. Éramos bem recebidos pelos outros homens que freqüentavam o local, mas não tínhamos muito sucesso com as mulheres, talvez porque a dança não fosse nosso forte ou porque as moças pressentissem nossas más intenções. Mas a gente insistia e sei de casos de companheiros que foram bem sucedidos e chegaram aos finalmente.

Em uma dessas noitadas estávamos por ali o magro Tonico, o Paulinho do Vinho e eu, assuntando e bebericando, quando uma moça começou a se sentir mal. Os sintomas eram de quem tinha abusado da bebida. Logo formou-se um grupo de palpiteiros junto a moça e achei que era hora de intervir.

- Com licença, sou estudante de medicina e gostaria de examinar a moça.

Provavelmente fui convincente na minha encenação porque a roda logo se abriu e até senti alguma reverência do pessoal com a presença naquele local de um futuro médico.

- Vamos afastar gente que o rapaz é médico, exagerou um sujeito.

O Tonico e o Paulinho do Vinho ficaram pasmos, mas não entregaram a farsa. De imediato, levei a moça para um tanque que havia no pátio e, no pressuposto que era bebedeira, passei a jogar água no rosto dela. “Para essas situações, água é o melhor remédio”, justifiquei. E ensopei a moça de água, até que ela começou a reagir, mas de forma muito estranha. As mãos ficaram crispadas como se fossem garras e começou a guinchar e dar passos, aparentemente desconexos, para frente e para trás, enquanto movimentava a cabeça em todas as direções. Parecia uma fera acuada. Rapazes, eu vi. Vi e me assustei. Foi quando senti uma mão pesada no meu ombro e uma voz que dizia:

- Agora deixa comigo.

O dono da voz era um negrão, largo e alto como um armário, que começou um ritual para domar a entidade que havia se apossado daquele corpo moreno e juvenil. Não entendo muito do assunto, mas acho que era o Pai-de-Santo do local porque com dois ou três toques na moça, ela aos poucos voltava ao normal. Aproveitei para sair de fininho, acompanhado dos boquiabertos Tonico e Paulinho do Vinho.

“E aí, doutor, como ela está?”, indagaram no salão. “Na parte médica, tudo bem, agora é com o sobrenatural”, me desculpei.

E tratamos de escapar as pressas do local e curtir o resto da noite em outras paragens porque a situação tinha fugido do controle. Foi então que jurei nunca mais exercer a medicina.

2 comentários:

  1. maravilha, meu amigão...talvez tenha faltado uma crase aqui, outra ali...mas o conteúdo, que é o importante, é do caralho...bom demais...me autoriza a sentir uma invejinha de nada?
    abraço
    Pedro

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  2. Caríssimo Pedro,
    Bem sabes que apanho das crases e das vírgulas. A inveja está autorizada. E espalha.

    Flávio

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