Reencontrei dia desses um velho companheiro de antigas jornadas. O sujeito, antes um boa-pinta e conhecido por seu alto astral, se apresentava agora qual um farrapo humano. Quase andrajoso, fisionomia sofrida, olhos fundos, barba por fazer, vagava a esmo pela cidade até encontrar um ombro amigo, no caso o deste que vos fala.
Antes mesmo que eu perguntasse o que atormentava aquela alma aflita ele contou sua desdita. Revelou que mantinha um relacionamento estável com uma moça, ex-colega de trabalho, mas que agora estava tudo acabado e que a vida para ele já não tinha mais sentido, dramatizou. Nem precisei cutucar para ele detalhar o que sucedera. Vou tentar reproduzir o relato da forma mais fiel possível:
“Ela me convidou para um happy e lá fui eu, todo feliz, fantasiando o que aconteceria depois. Mas qual não foi a minha surpresa quando, logo no inicio do encontro, ela disparou que precisava dar um tempo no nosso caso. E em seguida explicou os motivos para o rompimento: estava envolvida com uma corrente ideológica que não combinava com as minhas idéias e o movimento passara a ser o centro da sua existência naquele momento. Na minha cara, acrescentou que seus valores agora eram outros, que precisava redirecionar sua vida e que não havia mais espaço para a convivência entre as novas idéias libertárias e o relacionamento amoroso. Entendeu o que isso significa? Sou um corno, um corno de uma coisa imaterial. Ainda se fosse outra pessoa, talvez até me conformasse, mas ser trocado por uma ideologia, aí já é demais”.
Como sempre acontece nessas ocasiões, a pessoa rejeitada passa a relembrar os bons momentos do passado que é a forma de se martirizar ainda mais. Contou sobre um tórrido encontro que tiveram no exterior, sobre as escapadas em horários pouco convencionais, sobre o sexo sem limites, sobre as idas e vindas e os reencontros sempre prazerosos. “Era bom!”, acrescentou, após um longo e melancólico suspiro.
Na sequencia do roteiro previsível desses dramas, o sujeito tenta desqualificar aquela que foi a dona de seu coração . Começaram, então, a ser revelados os defeitos da parceira – “é uma sonsa, uma falsa” – e situações passadas que agora ganham relevância e são reveladoras do verdadeiro caráter da parceria. O amigo, agora mais recomposto depois do desabafo, falou vagamente de falsetas praticadas pela ex-namorada – “uma série de pequenas mentiras, esquivas e dissimulações que ainda hoje me deixam intrigados”.
Compadecido com o episódio e tomado de compaixão, tentei consolar o velho companheiro, mas foi inútil:
- Não adianta, fui traído, fui traído por um Judas em forma de mulher.
Antes de me despedir daquele pobre-vivo e seu drama, tentei outra vez levantar-lhe o ânimo com uma mensagem final positiva: “Olha, Judas em forma de mulher é uma boa definição, um achado para o caso”, elogiei com sinceridade, mas ele já não prestava a atenção, imerso novamente na sua infinita tristeza.
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