quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Eleições, aborto e Tiririca

Engana-se quem imagina que a Igreja não tem a mesma influência nos processos eleitorais dos tempos da Liga Eleitoral Católica. É só observar o esforço da candidata Dilma para neutralizar o efeito devastador da sua posição dúbia em relação ao aborto e a outros valores cristãos, provocando a ira de todas as crenças, enquanto Serra busca se enquadrar no figurino de homem e político estilo família, de agrado a todas as religiões. E o que seria um mero detalhe na atual campanha eleitoral tornou-se o centro dos debates, pelo menos nesta arrancada do segundo turno.

O fato é que a eleição pode se decidir no detalhe, como ocorreu na disputa entre Jânio x FHC pela prefeitura de São Paulo. Perguntado se acreditava em deus, FHC vacilou, passou a idéia de que era ateu e isso contribuiu para sua derrota. Depois, o ex-presidente passou a visitar todas as igrejas que encontrava pela frente, até foi pedir a benção para o Papa e não perdeu mais eleições. Em uma das disputas para a prefeitura de Porto Alegre, um jornal tentou pegar Tarso Genro com o mesmo questionamento e o candidato, no melhor estilo Rolando Lero, saiu da cilada com essa preciosidade: “Considero generosa a idéia de Deus!” E mais não disse e não lhe foi perguntado.

O que mudou em relação à pressão dos grupos religiosos no passado e agora é que a Igreja Católica não está mais sozinha na sua pregação, pois ganhou o reforço das outras crenças, aí incluídos os conservadores evangélicos pentecostais que crescem em número de adeptos e em influência no Brasil. As bancadas evangélicas nos legislativos estão aí para comprovar essa ascensão religiosa.

Ao divulgar seu programa de governo, com propostas mais ousadas em termos de relações sociais, o PT ignorou sua própria origem, que teve nas comunidades eclesiais de base da Igreja Católica um de seus alicerces. Os igrejeiros do PT certamente não participaram da formulação do programa de governo, ou se participaram estavam distraídos.

Com exceções que justificam a regra, os partidos não avaliam como deviam a força que emana dos representantes religiosos. O sermão dominical dos padres católicos e a pregação inflamada dos pastores das outras religiões têm mais poder de convencimento e potencial de adesão do que qualquer comício ou programa televisivo. Os religiosos são formadores de opinião porque falam diretamente aos seus fiéis, que se encontram em condição emocional receptiva às mensagens das lideranças. O que os religiosos fazem é capitalizar, em nome de deus, o moralismo entranhado nas classes de menor poder aquisitivo e mesmo na classe média.

E mais: como as igrejas e seitas exercem uma presença diária junto aos seus rebanhos, especialmente nas comunidades mais pobres, suprindo em muitos casos a ausência governamental, tem credibilidade para cobrar adesões, a contrapartida em forma de votos ou rejeições à candidaturas. O desconhecimento e a indiferença a esse processo pode provocar estragos e ameaçar favoritismos, daí a extrema preocupação da candidatura oficial.

O que me incomoda no caso é que, num Brasil de imensas diversidades e carências, existem tantas outras questões a serem debatidas e o foco das campanhas ficou reduzido à inserção religiosa dos candidatos. Pior que isso, só votando no Tiririca, que entrou neste texto como Pilatos no Credo.

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