sábado, 30 de outubro de 2010

Último ato

A caixa de madeira, adornada com a cruz, é mais pesada do que as cinzas do seu conteúdo poderiam indicar. A manhã nublada completa o ambiente melancólico da cerimônia que vai cumprir o preceito bíblico do pó voltando a terra. O local escolhido é um grande jardim e a preferência para espargir o montículo de cinzas, que um dia foi vida, são pequenos canteiros iluminados por flores e a base de espécies que recebiam atenções do ambientalista pioneiro. Não foi fácil achar jabuticabeiras e goiabeiras, mas elas estavam lá e ganharam sua cota de cinzas.

Os carros e os visitantes do jardim passam e não entendem o que está acontecendo com aquele grupo de pessoas se revezando na distribuição do conteúdo da caixa, com pequenas pausas para o que parece ser uma oração. Quem se aproximasse do grupo saberia que ali estava sendo contada a parábola das noivas imprevidentes, simbologia sobre a necessidade de estarmos preparados para o encontro com o Pai e também uma advertência aos incréus – e os havia naquela fraternidade.

Restou ainda uma pequena porção de cinzas reservada para os canteiros que faziam a alegria do patriarca, na velha casa de tantas lembranças. Um desperdício, porque o casarão e o grande pátio estavam condenados a serem sepultados por outros alicerces, que abrigariam outras pessoas que não eles, gente que desconheceria a existência e o simbolismo do singelo memorial de terra e cinzas.

Quando o grupo se despede, cada um para o seu mundo, chegou o sol e uma vontade de chorar.

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