terça-feira, 24 de novembro de 2009

Santa inveja: textos que eu gostaria de ter escrito

Adeus Tia Chica, como diz o outro

Paulo Tiaraju*

O outro é um personagem misterioso e onipresente no inconsciente coletivo do brasileiro; ele é quase um cúmplice das pessoas.
O outro está sempre pronto a ser responsabilizado por qualquer opinião, frase ou mesmo palavras soltas, quando quem disse não quer assumir descaradamente o que está dizendo. Por exemplo, a mulher que sugere sua disponibilidade sexual e afetiva, mas não quer fazê-lo de modo direto, o que ela diz? "Estou leve, livre e solta, como diz o outro". O outro passa a ser co-responsável por esta declaração, não foi ela quem disse. O lobista mal intencionado e covarde, o que ele diz? "Quero levar a minha beira neste negócio, como diz o outro". Com esta simples transferência de responsabilidade, ele desagrava-se: foi o outro quem disse. O outro é o bode expiatório caso dê alguma zebra. No receio de a vaca ir para o brejo, apela-se para o outro. Quem não tem cão caça com gato, como diz o outro.
Outra personagem misteriosa das lendas urbanas brasileiras é a Tia Chica. Sempre que algo dá errado, ela parte, se manda. Não quer participar daquela comédia de erros. Faz as malas e vai embora. As pessoas sensatas que predisseram o malfadado erro, imediatamente antecipam o adeus para a Tia Chica: "... Eu avisei, não quis me ouvir, agora, adeus, Tia Chica". E não por coincidência, quando Tia Chica parte, simultaneamente a Inez morre e o leite derrama. Portanto, em casos mais greves utiliza-se todas as expressões: "Não quis me ouvir, agora, adeus, Tia Chica, Inez é morta, e não adianta chorar sobre o leite derramado".
Imagino a Tia Chica fazendo as malas e o corpo de Inez estirado no chão, em meio a uma poça de leite derramado. Um gato se aproxima para beber o leite e alguém atira um pau no gato, mas o gato não morre. Um pouco antes de bater a porta, Tia Chica admira-se do berro que o gato deu. Na cantiga popular ela é descrita como Dona Chica, mas sei de fonte confiável tratar-se da mesma pessoa, não duvido.
Contudo, as metáforas não são menos interessantes quando os brasileiros falam dos seus problemas. Para omitir a gravidade deles buscam inspiração em produtos horti-fruti-granjeiros. O pepino, óbviamente pela evidente alusão a sua forma fálica e o risco e o temor que isto representa, é amplamente utilizado. Por exemplo, meu prazo para escrever esta crônica começou a se esgotar, eu estava com um baita pepino. Depois me dei conta da diferença entre pepino e abacaxi. Escrever nunca é um abacaxi. Claro, há sempre o risco de, na falta de assunto, falar-se em abobrinhas. Neste caso eu precisava fazer deste limão uma limonada, sob pena de levar uma banana do editor. Sei não, com esta crise que anda rondando, muitos cronistas estão aceitando numa boa protestos em que as pessoas atiram ovos e tomates, desde que estejam frescos e prontos para o consumo – e, se a moda pega, solicitamos que atirem sapatos aos pares, e de preferência de número 42.

*Paulo Tiaraju
paulotiaraju@terra.com.br
Paulo Tiaraju é publicitário, diretor de Criação da agência Match Point, cronista e violeiro. Foi o primeiro criativo gaúcho a ganhar o prêmio Publicitário do Ano, concedido pela Associação Riograndense de Propaganda (ARP). O texto foi escrito para o portal Coletiva.net

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