segunda-feira, 14 de março de 2022

Resgatando Mário Cinco Paus

 *Publicado nesta data em coletiva.net

O anúncio de que a Prefeitura de Porto Alegre vai revitalizar a Travessa Mário Cinco Paus no Centro Histórico me remeteu ao texto que cometi  em, 2013 e depois publiquei  no livro Quando Eu Fiz 69..  ‘ O Homem que eu Invejava’ é o título da crônica sobre a figura que ficou na história da cidade pela sua atuação na primeira metade do século passado, especialmente como rábula, ao exercer a advocacia sem a formação universitária.

Desde que me conheço por gente ficava intrigado, com certa inveja, sobre o nome dado àquele espaço público  entre a rua Uruguai e avenida Borges de Medeiros, que já foi um beco e hoje é local de grande circulação  pela proximidade com terminais de ônibus urbanos e porque ali funciona o serviço de atendimento ao público da Secretaria Municipal da Fazenda.

Entre uma e outra piada de baixa extração com o nome dado ao logradouro, surgia a questão: quem foi Mário Cinco Paus? Teria mesmo o nosso Mário cinco órgãos genitais?  Como funcionariam: em paralelo, se completando, como pistões de um carro, uns subindo outros descendo? Era um homem realizado e de bem com a vida com seu instrumental diferenciado? E as parceiras do bom Mário como reagiam diante de cinco espetáculos do crescimento? E as pobres filhas do Mário, com esse sobrenome invulgar,  como devem ter sofrido  com brincadeiras de mau gosto, o antigo nome do bulling, nas escolas e outros locais que freqüentavam?

 

Agora graças à diligente pesquisa do cronista Nilson Souza descubro que nada disso faz sentido e que  Mário Cinco Paus tem uma biografia bem mais nobre e movimentada do que imaginava, a merecer, assim,  mais do que os 60 metros de homenagem numa alameda mal cuidada entre dois prédios públicos. Diferente da informação original a que tive acesso e que dava conta de que o Cinco Paus era um apelido recebido pela habilidade do nosso Mário no popular jogo do palitinho, na verdade, o apêndice ao nome é sobrenome.

Apresso-me a resgatar os destaques biográficos do honrado cidadão, até como forma de me redimir pelos equívocos do passado. O sobrenome Cinco Paus foi herdado do pai Álvaro, que morreu numa troca de tiros no Clube Monte-Carlo com um tal de O Beija Flor, este sim um apelido de Elpídio Fernandes da Silva, O registro é do jornal A Federação em 30 de dezembro de 1920.  No convite para a missa de 30 dias do falecido lá aparece o nome do filho Mário.

 A pesquisa do Nilson Souza em jornais antigos registra que o Mário Cinco Paus nasceu em Porto Alegre em 1890 e faleceu em maio de 1940.  Nos 50 anos bem vividos, Mário atuou no jornal A Federação (órgão do Partido Republicano Riograndense, que propagava as idéias positivistas de Julio de Castilhos), passando depois para o Diário e outros jornais da época, sempre como repórter policial. Conquistou grande popularidade com essa atividade.

Era  muito destemido e certa vez excedeu-se na sua função de repórter. Ao testemunhar o assalto a uma casa de câmbio na Rua da Praia saiu em perseguição dos assaltantes, de arma em punho, antes da chegada da Policia. Depois participou do cerco aos criminosos, sempre reportando os acontecimentos durante os cinco dias em que ficaram encurralados.  As matérias que produziu tiveram grande impacto na época.

O sucesso na reportagem  policial levou Mário a se aprofundar nos estudos jurídicos, tanto  que conseguiu habilitar-se como advogado provisionado, o rábula. Também como advogado foi bem-sucedido, sendo um dos mais requisitados criminalistas de Porto Alegre na sua geração. As prostitutas deveriam erguer-lhe um busto, pois um dos casos de maior repercussão em que se envolveu garantiu às moças o direito de permanecerem na rua, diante de suas casas, o que a Polícia proibira.

Feito este resgate, pretendia sugerir para que se adaptasse a denominação da travessa para o nome fantasia Mário Cinco Membros ou Mário Bem Dotado, mais adequados aos tempos politicamente corretos em que vivemos. Só que isso manteria  Cinco Paus na sua acepção de apelido. Então, me apresso a retirar a proposta.  Ao mesmo tempo saúdo o verdadeiro significado, porque lá se foi minha inveja adolescente e meu complexo de inferioridade diante do que sugeria o nome desse verdadeiro filantropo.

Brincadeiras à parte, faço esse registro como forma de evidenciar para a atualidade um dos tantos personagens que marcaram época  na nossa Porto Alegre de 250 anos, num tempo em que éramos a Cidade Sorriso. Mesmo que o personagem ostente um sobrenome singular e até por defender de forma altruísta as moças de vida não tão fácil.

 

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