* Publicada originalmente em abril de 2012.
Repórter
de plantão na Sexta-feira Santa enfrenta uma pauta obrigatória: a cobertura da
encenação da Paixão de Cristo no Morro da Cruz, no Partenon, também conhecida
como subida ou procissão do Morro da Cruz. O evento ocorre desde 1960, criado
pelo padre Angelo Costa, já falecido, e cresce a cada ano, reunindo
preferencialmente atores da comunidade. Lá no final da década de 80 do século
passado este que vos fala era repórter de geral da Zero Hora, estava de plantão
da Sexta-feira Santa e, claro, foi escalado para acompanhar a encenação.
Lembro bem
que era um dia quente no final de março e para escapar das obviedades das
coberturas tradicionais, decidi escolher dois ou três personagens interpretados
por atores locais para, através deles, montar a minha matéria. Um
dos personagens era balconista de uma ferragem e intérprete
do soldado romano que passava toda a encenação surrando, com uma espécie
de relho, um dos ladrões, que na vida real era motorista de táxi. É
importante esclarecer que a encenação reproduz a Via Sacra e suas 14
estações ou etapas do suplício de Cristo naquela sexta-feira, há mais de
dois mil anos. Só que alguns atores imprimem demasiado realismo a
suas interpretações e era caso do soldado romano que, volta e meia,
pesava a mão contra o pobre e talvez bom ladrão. O infeliz olhava enfurecido
para seu algoz, mas nada podia fazer durante a celebração religiosa, mesmo que
o sacana legionário revelasse perversa satisfação em maltratar o companheiro de
elenco. Sei lá se não deu o troco após o evento. O soldadinho, um
sujeito atarracado e malvado, bem que merecia.
O mais
inusitado ainda estava para acontecer naquela encenação do século
passado. O gran finale seria a ascensão de Cristo,
a partir da capelinha existente no platô do Morro da Cruz e onde ocorria o
final da procissão. O espetáculo no fim da tarde previa jogo de
luzes, uma trilha épica e aqueles fumacinhas de shows, que
acompanhariam a subida do Filho de Deus feito Homem aos céus. Um engenhoso
sistema mecânico elevava o ator, com suas vestes brancas, enquanto ele recitava
lições de religiosidade. O ator já era o ex-vereador Aldacir Oliboni,
considerado a réplica moderna do Cristo, de acordo como mostram as ilustrações
que conhecemos.
Pois bem,
lá estava o Cristo- Oliboni exortando os fiéis quando, à esquerda do platô,
começou uma movimentação frenética. “É ele, é ele, sim!”, repercutia a massa. Vocês estão autorizados a pensar que era o próprio Cristo redivivo comparecendo ao
seu velório, mas na verdade era quase isso, guardadas as proporções e o período
histórico. Quem surgia triunfalmente era Sérgio Zambiasi no auge da sua
popularidade. O Zamba foi cercado e festejado pela multidão, enquanto Cristo
subia ao encontro do Pai, lentamente e quase de forma incógnita.
Oliboni
ainda tentou atrair a atenção dos infiéis, gritando palavras de ordem pelo
sistema de som: “Cristo está aqui! Cristo está aqui!
Agora é o momento glorioso da subida aos céus. Venham, venham, é aqui que
está o Filho do Senhor! Demos glórias ao Senhor!”, apelava o bom Oliboni.
Inúteis apelos. A massa queria mesmo era confraternizar – e fazer
pedidos – a quem mais tinha a oferecer naquele momento. Entre os
consolos espirituais que Oliboni inspirava e os materiais que Zambiasi poderia
proporcionar a escolha do povo pecou pelo pragmatismo, mesmo na
Semana Santa.
Confesso
que fiquei penalizado com a situação do Oliboni, supliciado durante toda a
subida do morro e justo no momento da sua consagração como Cristo e ator o
público o abandonava daquela forma, trocando-o por uma situação tão
mundana. De novo, mais de dois mil anos depois, a história se
repetia e o povo renegava Jesus Cristo.
Insensível
público, mas depois fiquei pensando que fatos como o que presenciei talvez
expliquem porque Sérgio Zambiasi chegou a senador e Oliboni, mesmo sendo Cristo
por um dia, só agora conseguiu assumir como deputado estadual, ainda assim
vindo da suplência. Mas aí já é outra história, nada a ver com a Semana
Santa.
Boa Páscoa
a todos. Que o coelhinho seja mais generoso que a massa que renegou
Cristo-Oliboni.
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