domingo, 29 de agosto de 2010

Pequeno conto que virou crônica: Ícones que se vão

Ao abrir o jornal, ele levou um susto. O restaurante discreto que costumava freqüentar com ela havia incendiado. A notícia não esclarecia o que provocara o fogo, mas a foto do jornal dava dó. O charmoso local estava agora transformado em um monte de cinzas e escombros. Era mais um point de referência no histórico amoroso deles que se ia, no compasso do desgaste do caso. Ele achava, pela seqüência de episódios, que havia relação de causa e efeito.

Começou com aquele motel da primeira noite, quando ele conseguiu finalmente convencê-la a transar e se jogou sobre ela com a fúria da tesão acumulada por meses de tentativas. O mesmo motel, talvez a mesma suíte, serviram para uma das reconciliações, tempos depois. O carro dele estragara e, ao se encontrarem num coquetel, ele pediu carona que no meio do caminho foi desviada para o motel. Ela protestou timidamente quando ele propôs o desvio, mas seguiu para o motel. Lá chegando, discutiram a relação e depois se entregaram aos jogos sexuais.

Ainda freqüentaram aquele motel uma ou duas vezes, mas o estabelecimento já apresentava claros sinais de decadência. Uma noite tiveram que desistir do local, não da transa, porque a suíte a eles destinada aparentemente estava sediando um ritual de luzes e som e sabe-se lá mais o que. Dias depois, as máquinas colocaram tudo abaixo, com direito a placa de Vende-se. Cada vez que ele passava pelo local era tomado por uma pontinha de nostalgia.

A mesma nostalgia estava presente quando ele avistava o terreno repleto de entulhos, onde outrora fora um dos mais conceituados motéis da cidade e outra das alternativas para os encontros deles, a caminho de casa. Cada um seguia no seu carro e era só ele, no carro da frente, sinalizar que iria entrar no motel para ela vir atrás. Às vezes ela ligava pelo celular e dava a senha:

- Caliente? (era esse o nome do estabelecimento)

Gostavam de transar no Caliente, que agora era mais uma fase que se extinguia.

Releu a notícia do jornal e começou a lembrar as noites que jantaram, beberam a trocaram confidências no bar agora destruído. Foi ali, numa mesa externa, que ela declarou que o problema da relação é que ela gostava muito dele. Ele entendeu que ela não queria levar adiante o caso, mas não podia mais voltar atrás. Foi ali também que foram flagrados por um grupo de colegas, eles que primavam pela discrição. Foi ali, no começo de tudo, que retomaram o relacionamento, depois de um período de incertezas.

Outra baixa foi aquele restaurante de nome latino que freqüentavam eventualmente e que, sem aviso prévio, havia fechado as portas. Foi num almoço nesse restaurante que ele tentara uma reaproximação depois de mais um desencontro. Mas a empreitada foi mal sucedida e a conversa derivou para as idas dela ao dentista e as bolhas no pé que o incomodavam na ocasião. Discutir a relação com uma pauta dessas não podia dar certo mesmo.

E havia ainda aquele bar simpático e tradicional na cidade, perto do local onde ela trabalhava que, em dúvida, escolhiam para se encontrar. No início, consideravam tudo muito bom: o atendimento, o ambiente, a comida e o chopp bem tirado. Mas, assim como a relação deles, o local foi se deteriorando, até que mudou de dono, sem resgatar a qualidade dos primeiros encontros. Ou eram eles que haviam mudado e já não viam mais aquele bar com brilho nos olhos e a generosidade dos neo-amantes? O certo é que pouco depois, o local apresentava uma placa de Aluga-se.

O pensamento voltou-se novamente para o bar incendiado e a perda afetiva que isso representava. Afinal, era um ícone no relacionamento deles, tanto assim que foi o local escolhido para a última conversa que tiveram e que ficou marcada como fim de caso. Mas aí já é outra história. O que importa é que todos os sinais alertavam para o desfecho traumático de uma relação que se sustentava só na atração sexual. Deu no que deu.

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