quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Enfrentando o telemarketing

Como a maioria dos brasileiros, tenho sido atormentado com freqüência pelas moças do telemarketing. As ofertas são as mais variadas possíveis: acessíveis planos de consórcios, créditos ilimitados em instituições financeiras, cartões de crédito com vantagens nunca vistas, tentadoras propostas de operadoras de telefonia e por aí vai. Invariavelmente as ligações ocorrem aos sábados pela manhã, ou seja, agora já estou mais preparado para o enfrentamento.

- É a residência do Sr. Flávio Antonio Vieira Dutra? Ele está?

O nome completo denuncia mais um ataque das moças. Um momento de hesitação e acabo enredado na metralhadora oral das telemarqueteiras.

- Para sua segurança, nós estamos gravando essa ligação. Tudo bem?

O “tudo bem”, com a vozinha anasalada, consegue me irritar mais do que a catilinária que vem a seguir, sempre acompanhada do “tudo bem, Sr. Flávio?”. É assim que a autora do telefonema invasivo faz um esforço para se manter condescendente e simpática, mas o resultado, pelo menos para mim, tem o efeito contrário. Sou tomado de uma santa ira e fico a um passo de esganar o telefone, já que não posso fazer isso com a moça do telemarketing. Consigo, porém, manter a civilidade e , no limite, evitar as grosserias.

Só que de nada adiantam os sucessivos “ não” às propostas, porque as moças, bem treinadas, são insistentes e as vítimas de bom coração, como eu, acabam ficando com sentimento de culpa por causa das tantas negativas. Sinto como se estivesse tomando o tempo das moças que estão ali, afinal, desempenhando honestamente sua função. Imagino que depois de tantas rejeições durante o dia elas acabem necessitando assistência psicológica.

Com tempo, evitando deprimir ainda mais as moças, desenvolvi alguns estratagemas para cortar a conversa logo no inicio.

- Este sujeito não mora mais aqui, informo à primeira pergunta.

- O senhor teria algum telefone para contato com o Sr. Flávio? Insiste a moça.

- Não, não tenho e se a senhora descobrir nos informe porque também estamos atrás deste sem-vergonha, replico.

Depois de dois ou três segundos de silencioso pasmo, seguem-se o pedido de desculpas e o agradecimento constrangido da moça.

Outra opção, mais radical:

- O coitado do seu Flávio morreu na semana passada. Se tiveres um tempinho conto como aconteceu.

Dou uma longa fungada e já emendo uma história surreal sobre o meu triste passamento. Mesmo a mais bem treinada atendente fica sem ação diante daquela conversa non sense.

Seguem-se pedidos de desculpas, etc. etc.

Às vezes consigo pressentir que o telefonema – quase sempre no mesmo horário - é para me oferecer algo que não quero, não preciso e não pedi, e saio na frente:

- Crematório da Metrópole, às suas ordens.
- Desculpe, mas esse não é o número do Sr. Flávio? Indaga a moça, já sestrosa.
- Não é mais, agora é do Crematário. A senhora, por acaso, estaria interessada em algum dos nossos planos?

A conversa termina por aí. Juro que me dá um remorso.

Liderança política de minhas relações, adota outra estratégia infalível. Ouve pacientemente a proposta da moça e, revelando algum entusiasmo, responde:

- Tudo bem, agora me dá o telefone da tua casa que à noite te ligo para saber mais detalhes.
- Mas eu não trato desses assuntos em casa, esclarece a moça.
- Eu também não, e dava por encerrada a ligação.

Claro que todos reconhecemos que o telemarketing é um grande gerador de empregos e cumpre seu papel no sistema produtivo. Mas a insistência das moças afronta a paciência de qualquer um. E tem ainda aquele “tudo bem?” e aquela vozinha anasalada. Haja paciência.

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