Já escrevi e reeditei pelo menos uma vez um texto
que trata das minhas agruras com os chatos. Agora decidi revisitar o tema
diante de uma frase da minha amiga Raquel, numa troca de mensagens com
outro companheiro, o Evaldo, a propósito de uma terceira pessoa
que o parceiro dizia não lembrar. Uma
frase simples, definidora: “Tu não lembra porque não era um chato. Os chatos marcam mais”.
É isso, o chato está sempre presente na nossa
memória justamente pela inconveniência de sua presença. O chato é repetitivo, detalhista, invasivo, inoportuno
e vou parar por aqui porque os atributos negativos são muitos. O chato é
reconhecido na primeira mirada ou na primeira frase que pronuncia. Outra característica
relevante: como no caso dos gays, não existe ex-chato. Chatice é incurável.
Particularmente convivo civilizadamente com os
chatonildos, mais do que isso, eu os atraio
e, assim, até coleciono algumas histórias, engraçadas ou não, mas sempre interessantes,
sobre essa relação. Muitas delas
aconteceram na redação de Esportes de Zero Hora lá pela década de 80 do século
passado. A equipe da editoria era da pesada, sob o comando do saudoso Emanuel
Mattos e depois do meu outro guru, o Nilson Souza, que está bem vivinho para confirmar
os causos.
Na época,
as redações de jornais e a editoria de Esportes em particular exerciam um
fascínio indescritível sobre o malario de todos os matizes - boleiros em fim de
carreira, técnicos desempregados, gente dos esportes amadores pedindo espaço,
mães e pais de atletas promissores, uma fauna, enfim.
A presença dos chatos proporcionava momentos hilários
também. O queridíssimo Nilson Souza era vítima recorrente de uma brincadeira. O
mala aparecia na porta da editoria e perguntava quem era o chefe. O pessoal
apontava o Nilson, calvo e com tufos laterais de cabelos brancos, fazendo uma
advertência;
- Fala alto porque ele é meio surdo.
E lá se ia o chato ancorar na mesa do Nilson, aos berros:
- O SENHOR É QUE É O CHEFE?
Porém, mais do que o Nilson, eu era vítima constante dos
chatos de redação. O cara adentrava à sala, sem cerimônia, percorria todas as
mesas e parava na minha, nos momentos mais inoportunos, trazendo as questões
mais estapafúrdias e que não me diziam respeito.
Isso sem contar a minha coleção particular de chatos, que
não é pequena. Acredito que tenho um temperamento afável e, como já disse, não hostilizo os vocacionados para a chatice,
o que lhes passa a idéia de que sou receptivo aos seus papos e vou resolver
seus problemas. Cria-se, então, um circulo vicioso: chato bem tratado vira
reincidente e nunca mais larga do teu pé, aumentando gradativamente sua
freqüência e suas demandas. O chato te adota.
Houve um período em que era visitado com assiduidade na
repartição onde atuava por um sujeito com o qual trabalhei anos atrás. Não
importa o que eu estava fazendo, ela sentava na minha frente e começava um
diálogo, que respondia educadamente mas por monossílabos, sem que ele parasse
de matraquear. Certa vez ele se superou
e, quase aos berros, me avisou da porta de entrada:
O que me preocupava, entretanto, era que a atração que
exerço sobre essa fauna pudesse ser um indicativo forte de que eu também era um
deles. Mas logo afastei a idéia porque chato odeia concorrência de outro chato,
como vimos acima. Prefiro pensar que eles grudam em mim em razão daquela lei da
física segunda a qual os opostos se atraem.
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