sábado, 16 de agosto de 2014

Trauma de infância


Todo o ser humano tem o direito de cultivar seus traumas de infância, sejam eles de que dimensões forem. É na superação desses traumas que a humanidade vai pra frente, exceto nos casos graves que resultam em serial killers e congêneres.

Não é o meu caso. Fui criado numa família com mais sete irmãos e nesse contexto não havia muito espaço para traumas. Havia, sim, o desafio diário de meus pais em garantir o sustento do clã, sem contar os pequenos conflitos diários da escadinha de filhos e suas diferenças de personalidade. Este que vos escreve, como estava no meio da escadinha, sofria pressão dos de cima e dos de baixo, algo conhecido hoje como bullyng, nada, porém, que me desestabilizasse para o futuro.

Isso posto, hoje posso confessar que me consumi em boa parte da infância, ali pelos cinco ou seis anos, por causa de um frase que minha mãe repetia sempre. Uma frase que ficou tão marcada que lembro até hoje desse trauma ocorrido na mais tenra idade. A frase maldita: “Deus dá a noz para quem não tem dente”, afirmava a dona Thelia, com ar grave de condenação a quem não sabia aproveitar as oportunidades que a vida lhes oferecia.  Não lembro se o dito era dirigido a alguém em especial, talvez àquele tio que tinha múltiplos talentos mas não se ajeitava na vida.

Mas para mim, e talvez para meus irmãos da parte de baixo da escada, a frase soava de forma diferente: Deus nos dá a quem não tem dente. E ai ficava eu a imaginar, apavorado, sendo entregue a uma bruxa malvada e desdentada, que nos devorava, a mim e a meus irmãozinhos, coitados de nós. Tive pesadelos horríveis, porque a tal frase era sempre associada com as histórias da Mariazinha e do Joãozinho aprisionados e submetidos a regime de engorda pela bruxa da floresta.

Apesar do trauma, cresci sem virar assassino em série ou borderliner, mas fico me perguntando se não exagerei um pouco nas historias contadas aos meus filhos na primeira infância, eu que era dado a apelar nas atitudes dos personagens malvados.  Criança  compreende tudo de forma muito literal, mas acho que os pimpolhos aqui de casa, se tiveram traumas por causa disso, não me revelaram ou já superaram.  Que assim seja,  porque a próxima geração está ouvindo as mesmas histórias e as mesmas frases que podem provocar traumas e pesadelos noturnos.


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