sábado, 2 de abril de 2011

Não sinto saudades do telex

                                                           Olha o telex ai, gente 

Outro dia levei um susto aqui em casa quando assistia as emoções de Insensato Coração. Ouvi um som intermitente que me recordou vagamente uma emissão já conhecida. O som insistiu em atrapalhar a atenção que dedico a trama da novela, até que me dei conta do que se tratava: era o telefone fixo da casa chamando.  Já havia esquecido da existência do aparelho que, em tempos idos, prestou grandes serviços à família, mas hoje está relegado a receber incômodas ligações de telemarketing ou servir de brinquedo para Maria Clara.

E dizer que precisei usar de um pistolão na Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT, lembram?) para a instalação da linha, quando me transferi em 1983 para a morada da Osmar Meletti, na Aberta dos Morros (o bairro existe, sim). Saibam os mais jovens que o chamado telefone convencional já foi sinal de status e era obrigatório declarar ao Imposto de Renda a posse da linha entre os bens patrimoniais. Até hoje recebo uns R$ 4,00 de bonificação, todos os anos, pelo contrato que firmei com a CRT.

Não me tomem por saudosista, apenas registro uma dramática mudança de comportamento provocada pelo avanço tecnológico da telefonia móvel - os celulares e toda a parafernália de equipamentos e serviços que nos encantam e assustam.

Nos tempos em que era um esforçado repórter esportivo na Folha da Tarde e na Zero Hora toda a tecnologia que tínhamos disponível para transmitir nossas matérias ou fotos em viagem era o telex e o aparelho de telefoto. A discagem direta a distância (DDD) recém estava se expandindo e não eram todas as cidades que tinham acesso ao sistema. Era um suplício, nas coberturas do campeonato nacional de então, enviar fotos das capitais nordestinas, por exemplo. A ligação para a redação precisava ser pedida com boa antecedência para possibilitar a transmissão à tempo, antes do fechamento da edição. Os banheiros dos nossos quartos nos hotéis se transformavam em câmaras escuras e infectas pelos produtos químicos que revelariam os filmes fotográficos. Reveladas, ampliadas e secadas, as fotos – cinco ou seis no máximo – eram instaladas na máquina de telefoto e aí começava outro suplício – o bip-bip da transmissão, linha a linha, da imagem. Qualquer interferência na linha telefônica, e isso era freqüente, deixava marcas na foto transmitida e aí era preciso começar tudo de novo. Um estresse.

Transmitir as matérias não era menos complicado. Poucas cidades possuíam telex público, normalmente instalados nos serviços do Correio, então era preciso molhar a mão do telexista para que ele comparecesse no domingo ou fizesse plantão à noite para atender a reportalhada. Menos mal que os operadores eram rápidos e eficientes, rapidez e eficiência que aumentava na mesma proporção da gorjeta. Primeiro a gente redigia a matéria na máquina de escrever (o Google explica do que se trata) e depois o texto era teclado para uma fita picotada em que cada tipo de picote representava uma letra. Os repórteres mais habilidosos e talentosos, que não era o meu caso, redigiam o textos diretamente no telex. Completada a transposição para a fita picotada, a serpentina era transmitida igualmente por linha telefônica, ponta a ponta. Na redação, o material era reproduzido em papel especial que, rabiscado e emendado pelos editores, era” baixado” direto.

Era um jornalismo mais artesanal. Estão aí, bem vivinhos, o Roberto Azevedo, o Emanuel Mattos,o Cláudio Dienstman, o Luis Ávila, o Paulo Dias, o Sérgio Arnoud e tantos outras malas que não me deixam mentir. Hoje até eu, um semi incluído digital, consigo enviar fotos do outro lado do mundo e texto nem se fala. Santa Internet!

Por isso não sinto saudade daqueles tempos heróicos. Agora, com todo o avanço tecnológico, tudo ficou mais fácil, mais ágil, mais eficaz. E uma vez que a tecnologia está ao alcance da maioria, igualando as ferramentas e o processo produtivo, o que continua estabelecendo o diferencial é o conteúdo. Que, como antigamente, deve ser “denso, forte e consistente”, que era a senha para começarmos nossas matérias nos confins do Brasil.

2 comentários:

  1. Viajei o Brasil inteiro dependendo do telex. Certa vez, em Piracicaba eu pela Caldas Júnior e o Júlio Sortica, já na Zero Hora, "alugamos" o telex de uma agência bancária... Horas mandando toneladas de matéria de adiante. Constrangidos, por atrasar a rotina do banco. No dia seguinte, tivemos de recorrer a prefeitura. Sim, não era em todo lugar que encontrávamos telex público. A tensão era diária. Viva a moderna tecnologia!

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  2. Para quem trabalhava na ZH o pior dia era a sexta-feira porque mandava material para sábado e domingo.

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