terça-feira, 26 de abril de 2011

No reino da fantasia


                                              Te prepara Maria Clara


A principal função do pai na primeira infância dos seus filhos não é a de trocar fraldas ou dar banho nos pequenos, mas o de contador de histórias. É assim que se mantém a tradição oral dos clássicos das histórias infantis, que mexem com a fantasia da criançada e transmitem valores, lições e mesmo os cuidados que os infantes precisam aprender para enfrentar o mundo lá fora. O que são as fábulas de Esopo, base de muitas histórias da Carochinha, senão lições de solidariedade, de desapego, de perseverança, de superação, de amor? E os contos dos irmãos Griimm, puro encantamento para as crianças, sobrevivendo aos séculos e a todas as gerações?

Faço essas reflexões enquanto percebo uma tentativa de transformar o casamento da realeza inglesa em um conto de fadas moderno, com quase todos os ingredientes do gênero: uma história de amor envolvendo um príncipe que encontra sua princesa para, juntos, viverem felizes para sempre. Será? Falta um vilão nesta história para ela ficar completa. A luta permanente do bem contra o mal, com a vitória final do bem, é componente indispensável num conto de fadas que se preze. A bruxa – ou rainha Má? – seria a própria rainha Elizabeth, como no casamento de Charles com Diana – também uma tentativa- frustrada - de construir um conto de fadas? Ou a sogra, que masca chicletes em cerimônias oficiais, um escândalo diante dos rígidos protocolos britânicos? Ou a madrasta do jovem príncipe? Madrastas sempre são estigmatizadas e aquela senhora que assumiu o lugar da bela Diana bem que merecia o papel de vilã.

Na verdade, eu queria mesmo era falar do papel do pai como contador de histórias e acabei me desviando. Não resisto, tenho que fazer uma tese...

Retomando o fio da meada, ou da história, confesso que era um pai um tanto relapso nos cuidados exigidos para as crianças na tenra idade. Para compensar, fui um dedicado contador de histórias, seguindo a tradição do meu pai, que eletrizava a escadinha de filhos com suas narrativas. Não herdei o mesmo talento, mas me esforcei bastante para que a criançada aqui de casa vivesse suas fantasias. A Flávia, por exemplo, tinha particular predileção pela história da Rapunzel, talvez porque se identificasse com a mocinha presa na torre, não pelo confinamento, mas pela loirice dos cabelos. O Rafael, hoje um marmanjo em vias de ser pai, se escondia embaixo das cobertas cada vez que o Lobo Mau entrava cena na história do Chapeuzinho Vermelho. E a Mariana, sempre muito criativa, obrigou-me a transformar a história dos Três Porquinhos em história dos Cinco Porquinhos - tive que inventar uma casa de papelão e outra de jornal para o malvado do Lobo arrasar com um sopro. Em certas ocasiões invertiam-se os papéis e eu passava a ser o ouvinte das histórias da Mariana, que envolviam os irmãos Gleds e Bleds – que eram gêmeos – e o caçula, como ela, o Gledson, num cenário mágico chamado Casa das Estrelas. Outro dia conto mais sobre a Casa e suas histórias.

Contar histórias para os filhos era um momento prazeroso, mas cansava às vezes, especialmente quando ouvia o pedido fatídico: “Conta de novo, pai”. Criança adora historinha repetida e admito que , com freqüência, tentava burlar a atenção da gurizada, abreviando a contação ou pulando páginas dos livretos. Em vão. Logo vinha o recado dos espertinhos: “Pai, tu pulou aquela parte...”. E lá se ia um pai cansado repetir tudo de novo, até que a criança se entregasse ao sono. Outras vezes inventava histórias sem pé nem cabeça e era execrado: “Essa história é muito boba. Não vale, conta outra”. Nessas ocasiões, ansiava para que eles se alfabetizassem logo para assumirem, eles mesmos, a construção das fantasias que povoariam suas mentes infantis.

Agora me preparo para uma nova temporada como contador de histórias. E me preparo também para enfrentar uma ouvinte exigente e muito atenta. Pela atenção que presta aos vídeos do Cocoricó, aos clipes de musicas infantis e ao livrinho dos personagens Backyardigans (Pablo, Tyrone, Tasha e outros), pressinto que vou ter muito trabalho com a Maria Clara. Bendito trabalho! Sou mais eu e minha experiência acumulada com a mãe, o tio e a tia da Maria Clara do que os tais vídeos e livrinhos. Te prepara, Maria Clara: “Era uma vez...”

2 comentários:

  1. Oi Flávio!

    Eu também tenho uma Maria Clara na vida, só que ela esta bem longe, na Austrália. Mas em tempos de internet a saudade é amenizada com o skype.
    Tu me fez lembrar a primeira história que fui contar à outra neta, minha Rosinha. Comecei a história e ela rapidamente me fez lembrar: "ô Vó tu esqueceu do era uma vez....."
    Os netos são a nossa renovação, em todos os sentidos. Abração
    Carmen Oliveira - carmenoliveira@brturbo.com.br

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  2. Salve as Marias Claras, as Rosinhas e todos os filhos e netos que são a nossa razão de viver. Salve as historinhas, o skype e a Carmen que agora percorre a ViaDutra.

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