A cobertura da mídia para as grandes tragédias, como a desse lamentável episódio do Rio, segue um roteiro absolutamente previsível. Depois do primeiro impacto, repleto de informações desencontradas, a mídia elege um herói, no caso do Rio o sargento da PM que enfrentou o assassino das crianças. Ao mesmo tempo, as testemunhas próximas do ocorrido são chamadas a dar seu depoimento, entre lágrimas. Logo entram em cena os parentes das vítimas, todos em desespero. E surgem os atores secundários: a vizinha que assistiu tudo à distância, o popular que passava e acudiu feridos, o voluntário que mais atrapalha do que ajuda, a vítima potencial que escapou porque, por força do destino, não estava na hora devida no lugar errado. Todos querem participar, um tanto por genuína solidariedade e outro tanto por compulsão de estar no centro ou muito próximo do acontecimento da hora. Por fim, aparecem as autoridades civis, contristadas na sua solidariedade, e as policiais, explicando suas ações e roubando a cena dos que realmente enfrentaram o perigo.
Repórteres e apresentadores assumem feições graves, os gestos são estudados e as palavras medidas, uma a uma, para não conflitar com o clima provocado pelo ocorrido.
Na segunda fase – o termo jornalístico correto é suíte - normalmente no dia seguinte, a mídia trabalha em duas direções: a busca dos culpados e uma reflexão mais aprofundada sobre a tragédia. Na busca dos culpados, o poder público sempre é o primeiro a ser apontado, ou porque foi omisso ou porque não fez o suficiente para evitar a tragédia. Para a reflexão das causas e efeitos da tragédia são escalados os chamados “especialistas”, recrutados entre as mais altas autoridades afinadas com o tema. É quando surgem as mais extravagantes e inviáveis propostas para o enfrentamento do que ocasionou a tragédia.
Na terceira etapa surgem fatos inéditos – “informações exclusivas”, “imagens exclusivas” - sobre o ocorrido, fecha-se o cerco sobre os culpados ou suspeitos, famílias são reunidas para chorar suas perdas, as autoridades prometem soluções para breve. É o momento também em que brilham delegados, promotores e advogados, defendendo teses e antecipando julgamentos. Reconstituições são feitas, abordagens são requentadas e o caso começa a perder fôlego.
E de repente desaparece da pauta, substituído por outra tragédia ou pelo mais novo escândalo da República, para ressurgir como memória quando outro acontecimento análogo ganhar a primazia dos noticiários.
Com pequenas diferenças o roteiro é sempre o mesmo.
Antes que me acusem de insensibilidade diante de fatos dantescos peço uma reflexão sobre a verdadeira dimensão dessas tragédias, a comoção que elas provocam no primeiro momento, a manipulação emocional dos envolvidos e o tratamento inconseqüente que tais fatos recebem, com as exceções de praxe.
Não sei quanto a vocês, mas a mim incomoda – e muito – a espetacularização da tragédia e vou expressar isso com todas as letras e sempre entender necessário.
Amigo Flávio!
ResponderExcluirTenho vergonha do pouco que vi no "Fantástico" domingo à noite. À espera dos gols da rodada, fui "brindado" com uma imagem "inédita" do circuito interno de TV da escola do massacre. Nela, um menino agoniza por vários minutos, baleado, abandonado no corredor enquanto a correria em volta ignora seu sofrimento. No que isso ajudou no esclarecimento dos fatos? Logo em seguida, Patrícia "sorriso" Poeta e Zeca "pungente" Camargo cortam para o regime dos repórteres que lutam contra a balança.
Sem falar no massacre visual da imagem de um menino mostrado no Jornal Nacional da sexta-feira. Ele, cheio de tubos, curativos e lesões, foi apresentado como "vítima baleada no braço, na perna e na cabeça"...
É de chorar o que a imprensa mostra neste momentos. Tenho vergonha de ser jornalista e ver que NADA muda, NADA é feito. Parecido com aqueles comerciais das Casas Bahia (argh!)onde, além da insistência com a gritaria do locutor, letras microminúsculas correm ao pé do anúncio, repletas de armadilhas para os incautos.
Evoluímos, somos uma das maiores economias do mundo, mas tem coisas que não mudam... Lamentavelmente.
GILBERTO JASPER
Jornalista - POA
Concordo plenamente e repito: a mim incomoda – e muito – a espetacularização da tragédia e vou expressar isso com todas as letras e sempre entender necessário
ResponderExcluir