segunda-feira, 28 de março de 2011

O homem que calculava

Conheci um sujeito que reduzia tudo a uma estatística. Sua razão de viver, inclusive e principalmente no momento daquele prazer, era contabilizar, quantificar, estabelecer percentuais, produzir equações, como se todos os processos pudessem ser expressos em números.

Essa vida centrada na matemática atingia o momento mágico, quase orgástico, quando ele entendia ter obtido a relação numérica perfeita, tipo “meu bem, essa é a nossa décima transa, a quinta neste motel, a primeira no horário do meio dia, que seqüência legal!”. Acreditem, era assim mesmo, o cara despejava uma profusão de dados estatísticos, que preparava com antecedência e recitava como se fosse um plantão esportivo. Metódico e obsessivo, ele mantinha um fichário onde anotava as principais incidências do seu dia a dia, pois se torturava com a possibilidade de esquecer um dado que considerava importante ou, o que é pior, falsear uma estatística:

- Se isso acontecer durante uma transa sou capaz de brochar, confessava aos amigos que desdenhavam das suas manias.

Ao fazer essa confidência, deixava explicito que a numerologia durante a relação sexual era um poderoso estimulante. Tanto assim que sua chatice com as estatísticas era relevada pelas parceiras diante do desempenho do nosso Malba Tahan* moderno e vigoroso.

- Foram exatas 55 parceiras até agora e só duas reclamaram, ou seja, apenas 3,63 %. Levando em conta de que nenhuma desistiu durante o ato o índice de acerto é de 100%, rejubilava-se.

Quando não havia estatística para apimentar a relação, no caso de estréias, o cara recitava mentalmente a tabuada, começando pela do 3 e, como ficava muito excitado, mal chega a tabuada do 7, atingindo o orgasmo no 7 x 7.

- ...49..., ái, é agora,meu amor!

Depois daquele momento de relax que se segue aos jogos amorosos, ele retomava a tabuada, porque jamais poderia deixar uma questão matemática incompleta.

- Tá pensando em quê, benzinho, costumam importunar as mulheres nessas ocasiões, mas ele não respondia até completar 10 x 10.

- Cem!, gritava e, diante do espanto da moça, convocava, já excitadíssimo.

- Vamos de novo?

A fórmula, por assim dizer, nunca falhou.

Até que um dia encontrou uma interface tão obsessiva quanto ele. O problema é que nosso amigo, acostumado com as previsibilidades da matemática, foi surpreendido com a declaração da parceira nova, numa quase imitação do ritual tantas vezes empregado por ele e justo naquele momento de relaxamento pós sexo:

- Benzinho, esta foi a quinta melhor transa da minha vida, a melhor neste motel.

Como os iguais se repelem, a relação não prosperou. A concorrência seria torturante para o estatístico do cotidiano, que decidiu mudar de estratégia. Agora ele se especializou em recitar passagens bíblicas, a começar pelos Cânticos de Salomão, cujos versos não perderam o charme com o passar dos séculos:

- Graciosas são tuas faces entre os brincos e o teu pescoço entre colares. Faremos para ti brincos de ouro com filigranas de prata.

Imaginem sussurrar os versos do Cântico dos Cânticos naquele momento de excitação plena! Irresistível! O que as mulheres não entendiam era o complemento no final: ” Salomão, 10-11” (Cântico dos Cânticos de Salomão, versículos 10 e 11).

Um obsessivo como ele não poderia deixar de dar crédito ao autor.

ViaDutra é Cultura:
*Júlio César de Mello e Souza (Rio de Janeiro, 6 de maio de 1895 — Recife, 18 de junho de 1974), mais conhecido pelo heterônimo de Malba Tahan, foi um escritor e matemático brasileiro. Através de seus romances foi um dos maiores divulgadores da matemática no Brasil.Ele é famoso no Brasil e no exterior por seus livros de recreação matemática e fábulas e lendas passadas no Oriente, muitas delas publicadas sob o heterônimo/pseudônimo de Malba Tahan. Seu livro mais conhecido, O Homem que Calculava, é uma coleção de problemas e curiosidades matemáticas apresentada sob a forma de narrativa das aventuras de um calculista persa à maneira dos contos de Mil e Uma Noites.

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