segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Um indesejado tri

*Publicado nesta data em coletiva.net/colunas

Um time de futebol vencedor começa pela direção, sustentada em dois pilares:  cuidar das receitas e das despesas e entender minimamente do esporte. No pilar das finanças para garantir os investimentos necessários em termos de estrutura e para qualificar o elenco;  o conhecimento do futebol vai ser fundamental para evitar enganos nas contratações, por exemplo, ou para cobrar resultados da comissão técnica. Consagrados dirigentes da dupla como Fabio Koff, no Grêmio, e Fernando Carvalho, no Inter, tinham este perfil, mas também é verdade que viraram exemplos do chamado “pensamento mágico”, quando tentaram repetir conquistas, caso de Koff em 2013 e 14, ou evitar desastres, caso de Carvalho em 2016 , em circunstâncias  diferentes das dos períodos de glória.

No caso do Grêmio de Romildo Bolzan, vencedor da Copa do Brasil e da Libertadores em 2016 e 17 , o roteiro do insucesso no pilar do futebol foi seguido à risca  nos anos seguintes, mesmo sendo o campeão do superavit,  mesmo tendo feito grandes investimentos no futebol, mesmo  gastando só neste ano R$ 58,8 milhões em reforços  e mesmo pagando bem  e em dia  o grupo de jogadores, que consome R$ 14,5 milhões/mês.  Neste quesito, só perde para os ponteiros da Série A, Atlético-MG, Palmeiras e Flamengo, fica  adiante de Corinthians e São Paulo e está quase o dobro à frente do tradicional adversário, o Inter (R$ 8,3 milhões).

Com esse nível de investimentos, o que indigna os gremistas em particular, eu inclusive,  e intriga os profissionais do futebol em geral é o que teria levado levou o Grêmio a essa situação vexatória? A resposta, como nos acidentes aéreos e desde já vai o pedido de desculpas pela comparação, é de que  a causa não é singular, mas um conjunto de fatores. O Grêmio perdeu a identidade na forma de jogar, variando de escalação e esquema jogo a jogo; cada técnico – e foram quatro no período e um interino,  com Felipão reeditando a ideia  do pensamento mágico – tentando impor seus conceitos, nem sempre com o apoio dos jogadores e estes divididos em torno da responsabilização  pela queda de produção, ora culpa dos novatos, ora dos cascudos;  leniência da direção quanto às imposições do vestiário; contratações equivocadas; disputa entre a cartolagem por protagonismo para suceder Romildo; enfim, um círculo vicioso que abalou o emocional do grupo e se refletiu no desempenho e nos resultados em campo. Tá bom assim ou querem mais?

Na verdade, essas foram mais consequências da causa principal para a fatura que está sendo cobrada  agora:  o excessivo poder conferido por  Romildo ao técnico Renato Portaluppi. Nenhum técnico em tempo algum teve tamanho poder no Grêmio e, arrisco a dizer, em nenhum clube brasileiro, tanto assim que Renato teria provocado a saída em janeiro de 2020 de pelo menos sete profissionais do departamento de futebol, do preparador físico ao treinador de goleiros, da nutricionista ao fisioterapeuta. Antes havia trombado com o CEO do clube e eventual executivo do futebol, Carlos Amodeo. As contratações indicadas mereceriam um capítulo a parte.

Ninguém, fora da imprensa especializada, sabia quem era o homem do futebol do Grêmio, e olha que pelo cargo passou um ex-presidente, Duda Kroeff. Isso porque o homem do futebol do Grêmio era o Renato, em linha direta com o presidente. Enquanto  o Grêmio conquistou títulos, essa aliança funcionou, e garantiu a Renato a estátua na frente da Arena e a  Romildo  ótimas perspectivas como candidato ao governo do Estado. Como não há bem que sempre dure, a aliança que foi benéfica nas vitórias, foi prejudicial nas derrotas e um ciclo está chegando ao fim.

O Grêmio vive agora sua agonia rumo ao  indesejado tri-rebaixamento, só que a estátua continua lá, incólume, enquanto Romildo sai dessa campanha bem arranhado, inviável para qualquer candidatura. Já o clube, nesse legado de terra arrasada, se prepara para um novo período de grandes dificuldades em que a flauta dos colorados é o menor dos males.

O que fica de lição de tudo isso é que não há imortalidade que resista a tantos fatores adversos, especialmente a uma direção que se mostrou incompetente na gestão daquilo que é a razão de ser do clube: o futebol.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário