*Publicado nesta data em coletiva.net
Sou verdadeiramente fascinado pela pregação dos evangelizadores dessas
igrejas pentecostais. Fico boquiaberto com a capacidade deles de
transmitirem suas mensagens em nome do Senhor. São máquinas de
falar, equipadas com o que há de mais eficaz em termos de
convencimento. Experimentem assistir aos cultos na TV: os caras
conseguem dominar qualquer plateia e fazê-las até mesmo acreditar
que os supostos milagres ali apresentados são reais, que o paralítico voltou a andar,
que o cego recuperou a visão, que a doença abandonou o corpo do
sofredor. A força da imagem, todo o colorido dos cenários
e a movimentação durante o culto se curvam quando o verbo se impõe.
Há que se respeitar e temer esse processo, porque não interessa o que as
pessoas estão vendo, mas o poder da palavra, a capacidade de persuasão. Nossos
missionários provavelmente aprenderam com os tele evangelistas dos
Estados Unidos que são mestres na oratória e na expressão corporal, embora
sejam mais sutis na arte de arrancar contribuições dos fiéis, diferente dos
tele pastores tupiniquins, excessivamente agressivos na dita arte.
No Centro de Porto Alegre, eventualmente, cruzo com algum pregador a
brandir, Bíblia na mão e sempre engravatados, contra os pecados e os
pecadores. Nesse caso, o que me impressiona é o volume da voz, sempre
grave e sonoramente impositiva, enquanto o olhar se dirige ao infinito, onde
talvez esteja recolhido seu deus. Pouca gente presta atenção ao
matraquear dessas pregações, porque falta a mística dos templos,
mas eles não esmorecem e no dia seguinte voltam para imprecar contra os
males deste mundo pecaminoso.
Acredito, mesmo, que o crescimento da cruzada evangélica está
diretamente vinculado à força da palavra que emana dos seus cultos. E assim se
espraia uma onda de conservadorismo, ao mesmo tempo em que outros sinais de
poder terreno se sobressaem, como a formação de uma verdadeira bancada
evangélica nos parlamentos, o investimento em templos salomônicos e em veículos
de comunicação ou em horários nobres nas redes comerciais. Aqui
vale a observação do professor de sociologia da religião da PUC-SP, Edin
Abumanssur: “Antes a gente era católico por herança, agora existe
concorrência”. E que concorrência, acrescento eu.
A rigor, não estou sendo original no reconhecimento do poder do discurso
evangélico. Silvio Santos, dono do SBT e um dos mais festejados
animadores da TV, chegou a afirmar há alguns anos que gravava em fitas os
cultos do líder da Igreja Universal, o bispo Edir Macedo, para ouvir no carro.
“O Edir Macedo me chama a atenção pela forma como fala”, explicou o homem do
Baú. Vale recordar que o bispo Edir é o proprietário da Rede Record,
concorrente do SBT.
Que fique claro que não estou fazendo juízo de valor sobre a ação das
igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais, se tem doutrina ou
não, mas apenas constatando uma verdade: seus líderes são bons de
goela. Eu mesmo acabei sendo envolvido por um deles. Foi assim:
tempos atrás, depois de uma reunião em que tratamos assuntos profissionais,
sugeri que o pastor com o qual conversava que me incluísse nas
orações dele. Estava querendo ser cordial, mas foi a senha para que ele pegasse
minha mão e começasse a reza, invocando os céus numa voz tonitruante:
- Vamos pedir bênçãos ao senhor Deus agora mesmo! Senhor,
protegei este teu filho, que precisa muito de tuas bênçãos, do teu amor.
Estendei, ó Senhor, tua proteção e tuas graças aos familiares deste teu filho,
a nossa cidade e a seu povo para que nada de mal lhes aconteça...
E emendou, sem uma pausa sequer, mais uma dezena de pedidos de bênçãos,
enquanto segurava firmemente meus braços como se quisesse transmitir uma
corrente de fé ao ateu que habita em mim. Apesar de tudo, portei-me
civilizadamente e o generoso pastor saiu convencido de que eu fora tocado por
suas rezas. O que ele não sabe é que eu estava preocupadíssimo em que
alguém entrasse na sala e visse aquela cena pra lá de estranha. Precisaria de
uma oratória de pastor para poder explicar e convencer.
*Texto publicado no livro Quando Eu Fiz 69, que terá
sessão de autógrafos na Feira do
Livro de Porto Alegre dia 8/11, as 18h30.
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