sábado, 6 de junho de 2015

A manchete do dia seguinte

Aos 6.5 tenho cuidados redobrados ao atravessar as ruas e avenidas mais movimentadas. Meu grande temor é o vexame da manchete do dia seguinte, algo do tipo “Sexagenário atropelado por ciclista”.  Parece que o termo sexagenário está em desuso na nossa imprensa e aí o editor maldoso vai apelar para uma solução mais vexatória, se o acidente ocorrer num bairro mais distante do Centro Histórico: “Carroça atropela idoso na Aberta dos Morros”.  Convém lembrar que Aberta dos Morros é um dos tantos bairros que aparecem nas minhas correspondências e, independente dos nomes, por aqui ainda circulam carroças. E aí mora o perigo.

A preocupação que me leva a fazer essa advertência tem a ver também com o pessoal que costuma pular a cerca: cuidado com a manchete do dia seguinte.  Vai que o marido descornado resolva, como de dizia antigamente, lavar a honra e o faça com um 38 carregado de balas.  Aposto que a manchete do dia seguinte vai falar em “crime passional”.  Se você tiver a sorte de escapar vivo ainda vai ter que dar muita explicação porque a humilhação já estará espraiada.  Entretanto, podia  ser pior caso o lavador da honra fosse você e bem pior ainda se fracassasse na vindita.  A manchete do dia seguinte só poderia ser essa:  “Traído, vingativo e ruim de pontaria”.

Penso que é inevitável  associar essas divagações àquelas homenagens que podem se eternizar e sobre as quais não teremos nenhum controle no futuro. Acredito mesmo que, se pudessem escolher, Rubem Berta e Mário Quintana, por exemplo, evitariam batizar com seus afamados nomes duas comunidades de Porto Alegre onde campeia a violência, com todo o respeito às famílias lá residentes que também são vítimas da bandidagem local.


Fico imaginando -  até já escrevi sobre isso - se algum puxa saco resolver  me homenagear quando eu partir dessa para outra dimensão e batizar aquele beco perdido no cafundó do judas de Travessa Flávio Dutra e vale também para outros espaços públicos. Já estou até vendo as manchetes e títulos dos tabloides populares: “Traficantes tomam conta do Beco Flávio Dutra”,  ou “Prostituição infesta praça Flávio Dutra”,   ou a pior  - “Ninguém aguenta mais o mau cheiro da Flávio Dutra”.  Certamente vou me remexer na cova.  O que me conforta é que ainda vai demorar muito até eu merecer uma placa em logradouro público!

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