Repórter de plantão na sexta-feira Santa enfrenta uma pauta
obrigatória: a cobertura da encenação da
Paixão de Cristo no Morro da Cruz, no Partenon, também conhecida como subida ou
procissão do Morro da Cruz. O evento ocorre desde 1960, criado pelo padre
Angelo Costa, já falecido, e cresce a cada ano, reunindo preferencialmente
atores da comunidade. Lá no final da década de 80 do século passado este que
vos fala era repórter de geral da Zero Hora, estava de plantão da sexta-feira
Santa e, claro, foi escalado para acompanhar a encenação.
Lembro bem que era um dia quente no final de março e para
escapar das obviedades das coberturas tradicionais, decidi escolher dois ou
três personagens interpretados por atores locais para, através deles, montar a
minha matéria. Um dos personagens era
balconista de uma ferragem e intérprete do soldado romano que passava toda a
encenação surrando, com uma espécie de relho, um dos ladrões, que na vida real
era motorista de táxi. É importante
esclarecer que a encenação reproduz a Via Sacra
e suas 14 estações ou etapas do suplício de Cristo naquela sexta-feira,
há mais de dois mil anos. Só que alguns
atores imprimem demasiado realismo a suas interpretações e era caso do soldado romano que, volta e meia,
pesava a mão contra o pobre e talvez bom ladrão. O infeliz olhava enfurecido para
seu algoz, mas nada podia fazer durante a celebração religiosa, mesmo que o
sacana legionário revelasse perversa satisfação em maltratar o companheiro de
elenco. Sei lá se não deu o troco após o
evento. O soldadinho, um sujeito atarracado e malvado, bem que merecia.
O mais inusitado ainda estava para acontecer naquela
encenação do século passado. O gran
finale seria a ascensão de Cristo, a partir da capelinha existente no platô do
Morro da Cruz e onde ocorria o final da procissão. O espetáculo no fim da tarde previa jogo de
luzes, uma trilha épica e aqueles fumacinhas de shows, que acompanhariam a subida do Filho de Deus
feito Homem aos céus. Um engenhoso sistema mecânico elevava o ator, com suas vestes
brancas, enquanto ele recitava lições de religiosidade. O ator já era o ex-vereador
Aldacir Oliboni, considerado a réplica moderna do Cristo, de acordo como mostram
as ilustrações que conhecemos.
Pois bem, lá estava o Cristo- Oliboni exortando os fiéis
quando, à esquerda do platô, começou uma movimentação frenética. “É ele, é ele,
sim!”, repercutia a massa. Voces estão autorizados
a pensar que era o próprio Cristo redivivo comparecendo ao seu velório, mas na
verdade era quase isso, guardadas as proporções e o período histórico. Quem surgia triunfalmente era Sérgio Zambiasi
no auge da sua popularidade. O Zamba foi cercado e festejado pela multidão,
enquanto Cristo subia ao encontro do Pai, lentamente e quase de forma incógnita.
Oliboni ainda tentou atrair a atenção dos infiéis, gritando
palavras de ordem pelo sistema de som: “Cristo
está aqui! Cristo está aqui! Agora é o
momento glorioso da subida aos céus. Venham, venham, é aqui que está o Filho do Senhor! Demos glórias ao Senhor!”,
apelava o bom Oliboni. Inúteis apelos. A
massa queria mesmo era confraternizar – e fazer pedidos – a quem mais tinha a
oferecer naquele momento. Entre os
consolos espirituais que Oliboni inspirava e os materiais que Zambiasi poderia proporcionar a escolha do povo pecou pelo pragmatismo,
mesmo na Semana Santa.
Confesso que fiquei penalizado com a situação do Oliboni,
supliciado durante toda a subida do morro e justo no momento da sua consagração
como Cristo e ator o público o abandonava daquela forma,
trocando-o por uma situação tão mundana. De novo, mais de dois mil anos depois, a história se repetia e o povo renegava Jesus Cristo.
Insensível público, mas depois fiquei pensando que fatos
como o que presenciei talvez expliquem porque Sérgio Zambiasi chegou a senador
e Oliboni, mesmo sendo Cristo por um dia, só agora conseguiu assumir como
deputado estadual, ainda assim vindo da suplência. Mas aí já é outra história, nada a ver com a Semana Santa.
Boa Páscoa a todos. Que o coelhinho seja mais generoso que a massa que renegou Cristo-Oliboni.
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