Cláudio Cabral não era o principal comentarista da
praça. Na real, tinha tudo para não
vingar na função: era monotemático nas
suas análises, porque defendia sempre os mesmos pontos de vista; a voz anasalada e sem a imposição dos
concorrentes clássicos era outro atrapalho na sua carreira; e, pecado capital
no grenalizado e esquizofrênico futebol gaúcho: não escondia sua preferência clubística e nem
poderia, eis que participou de uma corrente que fez história no Internacional, conhecida
como Os Mandarins – a vinculação histórica,aliás,
nunca impediu que fosse um algoz do seu clube de coração, quando apontava os
erros das direções ou os equívocos dos técnicos.
Mesmo assim, Cabral é saudado como “O Mestre”, tanto pelos
mais antigos como pelas novas gerações e os aspirantes da chamada crônica esportiva. É que essa figuraça conhecia futebol como
poucos, o que lhe garantia respeitabilidade e seguidores fiéis, além de
esbanjar carisma, o que o tornava singular entre os que tinham o privilégio de privar
com ele.
Monarquista convicto – “mas da monarquia parlamentarista”,
fazia questão de esclarecer -, viciado em palavras cruzadas, santamente devasso,
exibia gostos sofisticados que os modestos salários nem sempre sustentavam e,
acima de tudo, era um parceirão no trabalho e fora dele.
Cabral não talvez não tenha avaliado, mas bebi na sua
sabedoria muitas vezes, embora também tenha
sido vitima constante de suas frases cruéis, definitivas, mas sempre
verdadeiras: “Flávio Dutra, tu és um vidrinho de vaselina, sem o vidrinho...”.
Eu magoava, mas era obrigado a reconhecer que ele tinha razão. Podia ser pior, porque para determinada gestão
colorada, reservou uma variação menos nobre sobre o recipiente e seu conteúdo: “Essa direção é
um balde de bosta...sem o balde”.
O frasista talentoso é provavelmente o traço mais marcante
do nosso Cabral para aqueles que conviveram diretamente com ele no dia-a-dia. Seus companheiros na Band e de outras
parcerias lembram algumas das suas sentenças mordazes. O perna de pau era seu
alvo preferido: “Jogador ruim não pode ficar nem no banco porque senão acaba
jogando”; “Jogador ruim nunca se machuca”; “Se a bola tivesse vontade própria
ia a delegacia e denunciava o Edinho por maus tratos”; “Olha aqui, pega uma múmia, tira as faixas e
ela vai jogar mais que o Celso”; “O Rooney é o Badico que fala inglês. Desculpa,
Badico pela comparação”; “Gabiru foi a maior ironia do destino”; “Não leva
nota, não entrou em campo”.
Não poupava os treinadores: “Treinador bem pago é treinador
ruim, que recebe de dois ou três times ao mesmo tempo”; “O Parreira é um camarada que daqui a pouco
fez um cursinho de inglês e virou referência de treinador”; “Fulano é Vigário José Inácio”, associando a
rua central da cidade com a vigarice, que devia ser entendida como enganação. Mas tinha outra forma de discordar das
opiniões ou informações alheias e, neste caso, as maiores vítimas eram os repórteres:
“Baldasso, tu não vais me passar esse cachorro”.
Era exigente,
irreverente, radical, exagerado: “Sou do
tempo em que o Inter ganhava de 3 x 0 no Beira-Rio e era vaiado”. “Sem a bola
eu e o Pelé somos a mesma coisa”; ” Pior que vencer o Gauchão é perdê-lo”; “Fulano
consome a energia de uma usina para acender uma lâmpada”. Falava e assinava
embaixo.
Por tudo isso, acho que a grande perda de Cláudio Cabral,
que nos deixou neste sábado chuvoso, não foi para o futebol ou para a
radiofonia, mas para a convivência humana. Pena que eu tenha convivido tão
pouco com ele.
Parabéns pelo texto! bela homenagem ao mais docemente sarcástico da imprensa gaúcha...nosso mestre Cabral!!!
ResponderExcluirParabens... Texto excelente! Realmente a cronica esportiva gaucha perdeu um de seus melhores comentaristas. Mestre Cabral.
ResponderExcluirIdentifique-se, Anônimo.
ResponderExcluirO melhor independente de sua preferência clubistica..era um Msstre
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