*Publicado originalmente em 16/10/2009
O bonde Petrópolis, em foto de 1957, anos antes do sequestro.
A mesma turma do bairro Petrópolis que trocava por palavrões os letreiros do cinema Ritz ( O Circo de Petrópolis: Sessão da tarde no Ritz, publicado em 15/10/09) decidiu, numa noite de tédio, buscar novas emoções. Na prática, planejaram seqüestrar o bonde Petrópolis, cujo fim da linha ficava na esquina da Protásio Alves com a Carazinho.
A linha do bonde Petrópolis era dupla até a João Abott e ali derivava para uma única linha até o destino final, em frente ao Bar Forianópolis, a meia quadra do cinema Ritz e da igreja de São Sebastião. No fim da viagem, antes de tomar um mé ou um cafezinho, o motorneiro e o cobrador providenciavam a inversão da haste que ligava o veículo à rede elétrica para permitir o retorno ao centro da cidade. Os zelosos funcionários tratavam de levar junto a alavanca que funcionava para arrancar e dar velocidade aquele monstro. A tal alavanca, embutida num equipamento da cabine, era um misto de chave de ignição, guidão, acelerador e freio.
Conhecendo bem esses procedimentos, a turma de Petrópolis ficou noites e noites na campana, esperando um vacilo dos condutores do bonde. Foi então que num sábado, tarde da noite, o motorneiro esqueceu a alavanca, já engatada no dispositivo da cabine, quando foi bater ponto no Florianópolis. De imediato, três rapazes assumiram o controle do elétrico, acionaram a alavanca e saíram em disparada rumo ao centro.
Os relatos dão conta de que cinco passageiros já estavam embarcados. Cinco apavorados passageiros a mercê daqueles tresloucados e sem poder desembarcar. Mas o seqüestrador que fazia às vezes de cobrador tratou de acalmá-los, anunciando: “Hoje é de graça, minha gente”. Sem saber, estava inventando o passe livre.
Pelo menos duas paradas separavam o fim da linha do entroncamento da João Abott, mas o bonde passou por elas em alta velocidade. As raras pessoas que aguardavam o transporte se surpreenderam com a passagem daquele bonde conduzido por homens sem o uniforme caqui da Carris. E ainda por cima passavam abanando e as gargalhadas. Quando se deram conta do rapto, o motorneiro e o cobrador saíram correndo atrás, acenando freneticamente e gritando para que parassem e devolvessem o veículo. Uma cena de filme! Mas o bonde já tinha ganhado uma boa dianteira e ali pela esquina da rua Ijuí - a uma quadra das longas desde o fim da linha - a dupla cansou e ,cada vez mais aflita, decidiu seguir a passo para tentar resgatar o carro perdido.
Enquanto isso, na altura da bifurcação da João Abott, os seqüestradores não souberam realizar a manobra que desviava o bonde para a segunda linha, pararam o veículo e sumiram na escuridão, cada um para um lado. Os passageiros que estavam embarcados, ainda em pânico, aproveitaram para também debandar. Duas ou três pessoas que aguardavam o transporte na parada da João Abott ficaram sem saber se subiam naquele bonde-fantasma, estacionado fora de lugar, com as luzes acesas mas sem motorneiro nem cobrador. A dupla chegou em seguida, já sem fôlego e, após verificar se havia estragos, tratou de rumar para o centro, vexada com o ocorrido.
Claro que no dia seguinte o seqüestro do bonde Petrópolis foi o assunto em todas as rodas. A história era contada e recontada e, com o passar dos anos, ganhou a condição de lenda urbana. Há versões, evidentemente equivocadas, de que o Tadeu e eu, só porque éramos conhecidos como Irmãos Diabo, teríamos liderado a gang que realizou o seqüestro. Repito, não é verdade. Nego, peremptoriamente. Nós sabemos quem foi e o que fizeram naquele verão do passado.
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