quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Ninho vazio

Estamos vivendo, a Santa e eu, a Síndrome do Ninho Vazio. Para descrever a situação, lembro de um soneto muito recitado nos tempos escolares: “Vai se a primeira pomba despertada...vai se outra mais...mais outra”. O autor é o maranhense Raimundo Correa, que viveu entre 1859 e 1911, quando certamente a tal Síndrome ainda não havia sido inventada. Mas o nosso poeta acertou na mosca, ou nas pombas, pelo menos no caso dos Brandão Dutra.

A Flávia foi a primeira pomba a se desgarrar. Juntou-se ao Rodrigo há cinco ou seis anos e dessa união nasceu um passarinho muito amado, a Maria Clara. Depois foi o Rafael, peito de pomba, a trocar a morada dos pais pela casa e o carro da Rosana, deixando ancorado aqui na frente seu maltratado Uno, pneu baixo e grama crescendo em volta.

Por último, a pombinha Mariana se mandou para Buenos Aires, a pretexto de aperfeiçoar seu espanhol. Na verdade, foi uma andorinha que cedo aprendeu a voar.

Sei que os filhos são criados para o mundo, ou como sentenciou Kahlil Gibran, “teus filhos não são teus filhos, são filhos e filhas da vida”, mas confesso que me bate uma infinita melancolia diante desses quartos vazios, aqui e ali alguns vestígios de que foram habitados por crianças que cresceram para a vida. Os bonecos de pelúcia recostados na parede, a bola esquecida atrás da porta são lembranças de um tempo que se foi. Um cão inanimado repousa sob a cama, a espreita, como se esperasse zelosamente por sua dona.

Restaram ainda o Marley, um collie já caduco, a Felícia, uma irriquieta yorkshire, e um gato preto enjeitado, o Lotus Peter, que meus filhos tratam por filhos, mas diferente dos seus “pais” desgarrados, não abandonaram o lar que os acolheu, não deixaram um vazio, são presentes e fiéis. Os cães e o bichano não nos trocaram por “aquele outro” e “aquela outra”, nem por um gardelón qualquer.

Para quem, como eu, cresceu e conviveu em uma família numerosa, é difícil enfrentar essa nova etapa. Logo vem à lembrança da casa dos pais, que era refugio e aconchego, o castelo onde o nosso clã trocava afetividade e mesmo algumas rusgas, e onde os velhos, como magistrados e soberanos, promoviam a harmonia. O castelo já ruiu e agora o que ficou foi um ninho vazio.

Um novo castelo hei de erguer e, a partir dele, constituir meu clã, para que os meus filhos e os filhos dos meus filhos possam ter um porto seguro, um ninho que se refez, porque assim é o ciclo da vida e porque, como no soneto, “aos pombais as pombas voltam”, mesmo que os sonhos não voltem.

6 comentários:

  1. pai tá carente e mesmo assim não cria um skype! não faz drama que tu tem a mais nova dutra-andersen a poucas quadras de ti!!!

    por aqui, confesso, a saudade bate às vezes também!

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  2. Faça como eu, Flávio, depois de 21 anos coloquei uma sementinha no ninho e de lá nasceu o Bruno, hoje com 3 anos. Bruno é uma luz verdadeira e forte que me guia por estes caminhos tortuosos da meia idade. Olhando pelo retrovisor do tempo, como dizia um amigo, verás que deixaste um belo caminho aberto. abraço, Eurico

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  3. Paizinho...
    Não é nada mas já se vão 8 anos que me juntei a esse outro...E escrevendo assim me leva as lágrimas...

    Mas olha, vou botar mais um netinho aí pra nunca mais te lembrar que os quartos estão vazios!


    E não me faz sentir culpada que eu tô quase todos os dias aí!!!
    Mas o texto foi muito inspirado, típico de quem escreve com o coração! Te amo!!! Um beijão!!! Flávia.

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  4. Mesmo em tom melancólico, o texto é fabuloso! Daqui a pouco esta casa está cheia de netos e aí vais querer umas horinhas pra descansar...hehe! beijos querido
    Tati Flôres

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  5. Nem sei o que dizer... As lágrimas não me deixam pensar direito.Concordo plenamente.

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  6. Flávio! O skype é dez! Mas não tem cheiro, nem permite abraços. Mas eu falo com toda a família e amigos q estão distantes. Vale a pena!. Dia desses transmiti uma receita italiana on line, tava me sentindo o próprio Jamie Olivier!

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