segunda-feira, 7 de agosto de 2023

O imperativo da felicidade

* Publicado nesta data em coletiva.net.

Uma das políticas públicas da prefeitura de Santa Clara do Sul visa a promover ações que gerem felicidade no pequeno município de cerca de 6.700 habitantes no Vale do Taquari-RS. O objetivo do programa Santa Clara Mais Feliz é ampliar a sensação de bem estar da comunidade, com caminhadas contemplativas, ioga, rodas de conversas e piqueniques no parque. Corta para o reino do Butão, nome estranho para um país encravado nos Himalaias, que preza a felicidade dos seus 700 mil habitantes, tanto assim que criou uma inovadora política de Felicidade Interna Bruta.

A iniciativa foi apoiada pela ONU, se espalha por vários países e já chegou ao Brasil, onde tramita no Congresso uma proposta de emenda constitucional para incluir a “busca da felicidade” na redação do artigo 6º da Constituição, referente aos direitos sociais dos brasileiros, sem levar em conta que felicidade não se impõe por decreto.

Assim o Brasil, novamente, tenta implantar as boas práticas com legislação e não com ações concretas que venham a melhorar a qualidade de vida da população e, com isso, melhorar nosso Indice de Valores Humanos adotado pela ONU. O índice registra a satisfação dos cidadãos nas áreas de saúde, educação e trabalho e a percepção deles sobre situações vivenciadas no cotidiano.

Na interiorana Santa Clara do Sul e no exótico Butão felicidade se expressa por convivência, compartilhamento e cultuar valores, indo ao encontro, de alguma forma, ao que já ensinava Aristóteles na Grécia Antiga. Para o filósofo, tal sentimento é o bem supremo que a humanidade persegue e deseja.  Já para o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) a felicidade é mera utopia, ou a satisfação contínua dos nossos desejos. Avançando um pouco mais no tempo, Thomas Jefferson ao escrever a Declaração de Independência dos Estados Unidos, em 1776, incluiu entre os “direitos inalienáveis” dos homens a “busca da felicidade”, junto com a “a vida” e a “liberdade”. Quase dois séculos e meio depois, a ideia da felicidade como um direito já chegou ao Judiciário brasileiro e tem embasado decisões dos ministros dos tribunais superiores.

A troco de quê um jaguané inculto nos estudos filosóficos e jurídicos como eu, envereda para um tema sensível, permeado de nuances, como a Felicidade, copiando espertamente o tio Google?

É que a Felicidade está on.  É o imperativo da Felicidade, que virou moda e modismo, temas de cursos, seminários, work shops, que fazem mesmo é a felicidade e o faturamento de quem os promove. Tem até evento de nome pomposo, como o Fórum da Felicidade, com recente edição em Porto Alegre, prenhe de figurinhas carimbadas chegadas à autoajuda.

Certamente não vão faltar por aí os coachs de felicidade.  Virou quase obsessão reivindicar uma vivência plena de felicidade, talvez para se contrapor às incertezas e conflitos destes tempos pós-modernos.  Parece que essa obsessão ganhou uma nova dimensão pós-pandemia de Covid, que trouxe com o vírus a sensação próxima de finitude aos humanos. Então, é preciso celebrar a vida, aproveitar ao extremo cada momento e superar a atual “pandemia de infelicidade”, termo criado pela psiquiatra e escritora Ana Beatriz Barbosa. Segundo ela, muitas pessoas não sabem o que é ser feliz e estão lutando para encontrar um sentido na vida. Óbvio, não?!

Só não pode ser uma felicidade tratada com amargura, nem desconsolo pelos amores perdidos, como canta Vinicius de Moraes em “tristeza não tem fim, felicidade sim”, ou o nosso Lupicínio em “felicidade foi se embora e a saudade no meu peito ainda mora”. Também não pode ser sinônimo ou decorrência de riqueza, se bem que “o dinheiro não dá felicidade, mas paga tudo o que ela gasta”, de acordo com o impagável Millôr Fernandes.

Felicidade rima com simplicidade, que leva à longevidade, apontam os especialistas. São apenas momentos, porque felicidade plena e permanente só no paraíso, mas infelizmente não temos certeza de que ele existe.

Felicidade para mim, neste momento, seria encontrar um desfecho mais feliz para a pretenciosa e infeliz ideia de fazer um texto sobre felicidade.

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