segunda-feira, 10 de julho de 2023

Gastronomia política

*Publicado nesta data em coletiva.net

Deve haver uma relação muito estreita entre gastronomia e decisões políticas. Só assim para justificar cafés da manhã, almoços e jantares que reúnem lideranças políticas quando alguma decisão importante precisa de adesões, principalmente se é o executivo cortejando os legisladores. A harmonia entre os poderes fica mais harmônica em torno de uma mesa.

Outro dia ouvi de um desses comentaristas televisivos que para melhorar a contestada articulação política do governo federal, o presidente Lula deveria promover mais almoços com o pessoal da sua base. Ou seja, mais conchavadas políticas. Lula foi  além e promoveu até uma sessão no Alvorada para destrinchar assados de carnes nobres com ministros do STF, no caso Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.  A pauta com certeza foi sobre assuntos republicanos, ou não, como diria Caetano Veloso.

Mais antigamente, em Brasília, esses conchavos aconteciam em restaurantes que reuniram a fina flor do PIB político nacional, como o Piantella, palco de muitos acordos, eis que era frequentado pelo pessoal da oposição e da situação. Era lá que, sob o comando de Ulysses Guimarães, se reunia o Clube do Poire, nome de um digestivo à base de pera muito apreciado pelo veterano deputado.

“Comer é um ato politico” é a frase que tem sido repetida com frequência por ativistas de diversas áreas, mas não com o sentido que quero mostrar, de um momento, em torno de uma mesa, de facilitação do diálogo entre partes discordantes. Além disso, hábitos alimentares e alguns produtos comestíveis foram incorporados ao linguajar cotidiano do ambiente político. Coxinha, por exemplo, passou a ser uma designação para os aliados dos tucanos, enquanto mortadela, como o sanduíche servido aos simpatizantes nas  manifestações, passou a ser sinônimo de petista. Político em campanha faz questão de ser visto, fotografado e filmado saboreando um pastel de feira, com café pingado, mostrando que “é gente como a gente”.  Por falar em pingado, vale lembrar que tivemos por muito tempo a “politica café com leite”, praticada por São Paulo (produtor de café) e Minas Gerais (produtora de leite). Já a expressão “acabou em pizza” é usada para uma situação que ficou da mesma maneira como começou, a exemplo das CPIs que não levam a nada ou para se referir à acontecimentos de impunidade, muito comuns no universo da política. As pizzas, especialmente as de calabresa e portuguesa, não merecem essa analogia.

Quero crer que os governantes saem mais obesos no fim de mandato pelo consumo de tantas calorias em galinhadas, churrascadas ou filés com guarnições variadas, sem contar aqueles cafés da manhã dignos de hotel cinco estrelas, sempre pagos pelo erário.  Em circunstâncias diversas, participei de alguns desses ágapes e, a bem da verdade, tirando os cafés da manhã que não têm como errar, o cardápio das outras refeições beira o medíocre pela repetição das mesmos iguarias e sem um mísero Romanée-Conti para acompanhar. Nem o Lula, chegado a um vinho de boa cepa e acostumado aos cardápios internacionais, aguenta mais os regabofes palacianos, como comentou após recepção ao presidente argentino. Também pudera: a chef convidada, Elisa Fernandes, primeira vencedora do Masterchef Brasil, preparou um cardápio “caipira”, que teve rabada como prato principal. Aposto que a escolha foi coisa da Janja.

Sei lá, se eu fosse parlamentar, acho que esses rangos não seriam suficientes para “comprar” meu voto, mas com um Romanée-Conti a gente podia começar a conversar.

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