segunda-feira, 24 de julho de 2023

Apesar de tudo, me encanta Buenos Aires

 *Publicado nesta data em coletiva.net

Passei recentemente cinco dias turistando em Buenos Aires, o que não me autoriza a fazer análises mais profundas sobre a atual - duradoura? - crise econômica dos hermanos. Permite, porém, alguns registros confiáveis, por conta das observações feitas e das entrevistas informais com os nativos com os quais convivi.

Um exemplo dos desdobramentos da crítica situação econômica é que está em desuso o histórico e clássico golpe dos motoristas de táxi, que aproveitavam o troco para passar notas falsas.  A moeda local está com cotação tão baixa que não compensa produzir dinheiro falso. Seria o único ponto positivo gerado pela crise, que elevou a inflação mensal do país a três dígitos.

Para se ter uma ideia, um Real pode ser trocado por mais de 90 Pesos no Câmbio blue (o paralelo) e tem loja que aceita até por 100 pesos. A recomendação é que as compras sejam feitas em effettivo, ou seja, em dinheiro, e fica aquele constrangimento cada vez em que se paga uma conta, em restaurantes, por exemplo, deixando sobre a mesa um monte de notas. Nos pagamentos com cartão isso não ocorre, mas há uma perda de pelo menos 10%.

A Argentina já foi um paraíso para compras de quem tem moeda mais forte do que o Peso, mas agora só os produtos produzidos no país é que mantém os preços convidativos. Estamos falando do vinho, dos doces de leite, das roupas de couro e de cashmere e não muito mais para atrair os turistas.  O que precisa de insumos importados para ser produzido está caro para os argentinos e para os turistas.  É difícil também encontrar um outlet que valha a pena. Mas o transporte público, incluindo táxis e aplicativos, continuam com custos lá embaixo. Dá para passear de táxi, Uber e Cabify por boa parte de Buenos Aires pelo equivalente a 8, 9,10 reais, e a passagem do Subte ( o Metro), ida e volta pra qualquer destino, fica por cerca de 1,5 reais. Os restaurantes e a hospedagem também têm custos convidativos para os brasileiros.

Ouvi de um veterano taxista a queixa contra a passividade do povo diante da situação do país e de um experimentado guia turístico que as crises econômicas são tão antigas e tão frequentes que o povo já estaria anestesiado e se vira como pode.  Sempre tão vibrantes nas conquistas esportivas, entretanto, assisti a apenas uma manifestação reivindicativa de trabalhadores, com não mais de uma centena de participantes.

Buenos Aires continua sendo uma cidade segura, sem registro de assaltos violentos. A recomendação de sempre é atenção aos batedores de carteira. O mesmo não se pode dizer das regões periféricas à capital, onde os assaltantes de moto agem à luz do dia e sair à noite é uma temeridade. Constatei, ainda, que apesar do desemprego crescente, Buenos Aires tem menos pedintes nas sinaleiras e gente dormindo nas ruas do que em Porto Alegre.

Diante da crise, os argentinos cultuam cada vez mais aos seus ícones, atuais e do passado, talvez para manter um mínimo de autoestima a um povo que sempre se mostrou muito altivo. Se o presente é instável e o futuro incerto, vale se apegar aos personagens que representam os bons tempos ou o melhor da nação.   Por toda a parte surgem imagens de Messi, Papa Francisco, Maradona, aqui e ali Darin, nessa ordem de importância e, depois, vultos do passado, como Peron, Evita, e o campeoníssimo piloto Juan Fangio.  

Na política o desencanto é total com as opções que disputarão as eleições presidenciais deste ano. Tanto assim que o atual presidente Alberto Fernandes não concorrerá, assim como seu antecessor, Maurício Macri. A vice Cristina Kirchner também fugiu da raia. Os cartazes nas ruas fazem a propaganda dos principais candidatos, com destaque para os aspirantes à prefeitura da Capital. Pela situação, disputa a presidência o atual ministro da Economia, Sérgio Massa. Já a Centro Direita, sem Macri, tem dois pré-candidatos: Horácio Larreta, prefeito de Buenos Aires e Patrícia Bullrich, ex-ministra de Segurança. A escolha se dará nas prévias, obrigatória para todas as coligações, em 11 de agosto, com os primeiro e segundo turnos da eleição em 22 de outubro e 19 de novembro. Até lá talvez alguma candidatura empolgue, o que não ocorre hoje.

Apesar de tudo, me encanta Buenos Aires, com a efervescência nas ruas, seus cafés e restaurantes, sua carne e vinho inigualáveis, os teatros da Avenida Corrientes todos com espetáculos programados, as livrarias El Ateneu cheias de gente e até os pockets shows de tango nas ruas e seus veteranos dançarinos,  e a saturada La Boca dão vida à cidade, que voy a volver tan pronto como sea possível.
 

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