segunda-feira, 17 de julho de 2023

Ciclones, o repórter e o velho caingangue

 *Publicado nesta data em coletiva.net.

Sou do tempo em que a previsão do tempo no Estado era feita pelo Instituto Coussirat Araújo, vinculado à Faculdade de Engenharia da Ufrgs. O pomposo nome do instituto homenageava Ladislau Coussirat Araújo, nascido em Arroio Grande-RS em 1989 e pioneiro nos estudos climáticos no Rio Grande do Sul. Lembro também que eram aproveitados os dados de um certo Instituto Antares, do Uruguai e, mais recentemente, do AccuWeather, serviço americano contratado pela RBS para as informações sobre o clima oferecidas pelos veículos da rede.

Agora o que predomina é a credibilidade do 8º Distrito de Meteorologia, no Jardim Botânico, órgão do Instituto Nacional de Meteorologia, do Centro de Precisão do Tempo e Estudos Climáticos (Cptec) e de serviços privados, como o Climatempo, MetSul Meteorologia e outros, que interpretam e divulgam a profusão de dados disponibilizados pelos satélites.  

Faço essa digressão diante  da maior relevância  que a previsão do tempo assumiu entre nós por conta dos recentes fenômenos meteorológicos classificados como Ciclones Extratropicais. Também conhecidos simplesmente como ciclones, provocaram estragos, devastações e interrupção de serviços em várias cidades e até mortes, como ocorreu na primeira versão do fenômeno, em maio, e também, embora menos, na mais recente.

A incidência cada vez mais frequente desses impactantes fenômenos catapultaram os meteorologistas à estrelas de primeira grandeza na mídia, rivalizando com o pessoal da Defesa Civil, com as moças e rapazes do tempo dos telejornais e até com o Cléo Kuhn. Os especialistas climáticos são chamados a explicar por que estamos sendo assolados com tanta assiduidade pelos tais ciclones e/ou temporais de maior ou menor intensidade. Além disso, discorrem com naturalidade sobre frentes frias, zona de convergência intertropical, vórtice ciclônico de alto nível e já começam a tratar dos efeitos do El Ninho, próxima justificativa para muitas situações adversas nas condições do tempo. Outro dia, ouvi um entrevistado falar várias vezes em “hectopascais” e não ocorreu ao entrevistador perguntar do que se tratava, de onde vem e do que se alimentava o termo, que tem a ver com unidade de medida de pressão, como o bom Google ensina. Mas, de modo geral, os meteorologistas têm sido bem didáticos, talvez porque lhes caiba apenas passar informações e não opinar, como ocorre com os outros “especialistas” que a mídia procura para explicitar alguma questão mais sensível ou controversa.

Precisão na previsão, além de rimar, é fundamental para quem divulga as condições do clima que vão afetar o nosso dia, para o bem ou para o mal. É assim que ganha  credibilidade o serviço prestado.

A propósito, aproveito para recordar uma história contada pelo premiado repórter Carlos Wagner. Pela Zero Hora, ele produzia uma matéria sobre pessoas que dependiam diretamente do clima para trabalharem, ouvindo pescadores, tropeiros, motoristas, agricultores e indígenas. Queria saber como faziam a previsão antes do advento de toda a parafernália tecnológica hoje disponível. O ponto alto da matéria seria a entrevista com um indígena, que o Wagner encontrou na reserva caingangue em Charrua, pequena localidade entre Passo Fundo e Erexim. No final de uma tarde fria de agosto, os velhos da aldeia estavam reunidos ao redor do fogo de chão,  quando o repórter indagou ao mais velho deles, depois de uma conversa preparatória, que só o matreiro Wagner conseguia fazer,  como o indígena sabia se ia chover ou fazer frio.

O velho caingangue sorveu seu mate, deu uma longa tragada no cigarro e quando o jornalista imaginou que seria contada uma história, com segredos herdados de seus antepassados, saiu-se com essa resposta:

- Ouvindo a Rádio Gaúcha.

(A resposta foi tão surpreendente que a matéria do Wagner mereceu depois uma nota na revista Seleções).

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