segunda-feira, 3 de abril de 2023

O homem que amava as garotas do tempo

*Publicado nesta data em coletiva.net

Dos meus tipos inesquecíveis, um dos mais interessantes é o apaixonado pelas garotas do tempo das TVs. Nos conhecemos na  juventude, nos primórdios da tv em cores, início dos anos 1970. Creio que foi o colorido da telinha, realçando as qualidades estéticas e o figurino mais caprichado das moças a ganhar espaço nas programações, que mexeram com a sensibilidade do amigo. Antes, é importante que se diga que se trata de um tipo comum, sem características físicas ou intelectuais que o distinguissem, a não ser a obsessão pelas garotas da TV.

As primeiras paixões, ele fazia questão de destacar em cada encontro  com os amigos, eram direcionadas às âncoras e às jovens repórteres de então, entre eles a saudosa Glória Maria, que já estava na lida, sim. Chegava a dar longos suspiros quando falava sobre elas e certa vez  confessou que ficava muito  excitado só de ouvir a voz da Iris Lettieri.  dos aeroportos a voz mais bela, quando ela era apresentadora do telejornal da extinta Rede Tupi. Fechava os olhos e ficava sonhando intensas intimidades com a moça.  Diferente de nós, à época  fãs confessos das jovens atrizes das novelas, como a Namoradinha do Brasil Regina Duarte ou das exuberantes e maduronas estrelas do cinema italiano, Sofia Loren à frente,  ou das belas americanas como Jane Fonda na fase pré-ativista,   ele priorizava o naipe feminino pelo viés do jornalismo e não do entretenimento.

Até que descobriu os encantos das moças do tempo, com seus gestos medidos em direção aos mapas, donas do sol, dos ventos, das tempestades e dos raios. Sou capaz de lembrar o dia em  que interrompeu uma acalorada discussão sobre o desempenho dos volantes da dupla Grenal, à época chamados de centromédios,  para exclamar:

- Vocês não sabem da última?  O Jornal Nacional vai ter uma mulher apresentando as condições do tempo. Imagina, uma mulher de corpo inteiro, junto com o Chapelin e o Cid Moreira.

Era o ano de 1991 e ele falava da Sandra Annenberg, chamada para ser a garota do tempo de São Paulo e que logo assumiu a mesma função no JN, sendo a primeira mulher a ter um quadro fixo no principal jornal do país (a pioneira dividiu até pouco tempo atrás a ancoragem do Globo Repórter, com outra precursora, justamente Glória Maria).

- A função exige renovação, por isso elas são conhecidas como “garotas do tempo”, - justifica o amigo para a aparente perda de status na telinha da sua ex-idolatrada Sandra Annemberg.

Ele já acompanhava as garotas do tempo em todas as emissoras, fazia comparações entre uma e outra, ensaiava dicas que jamais chegariam a elas de como poderiam melhorar e era implacável quando flagrava algum equívoco de suas amadas:

- Bah, a fulana previu chuva no Amapá e hoje foi sol a pino lá. Assim vai derrubar a credibilidade do segmento feminino meteorológico.

O tal segmento feminino meteorológico foi uma expressão que passou a adotar em todas as suas intervenções, certamente para dar status às garotas do tempo, termo, aliás, que já evitava usar porque entendia que minimizava a relevante função delas.

Com o tempo, aqui com o sentido de duração dos fatos, o adorador das garotas do tempo, tempo aqui como sinônimo de clima, tornou-se um expert nas condições do tempo, aqui com o sentido de situações meteorológicas, acumulando vastos conhecimentos sobre essa área. E passou a discorrer com naturalidade sobre frentes frias, zona de convergência intertropical, vórtice ciclônico de alto nível  e outros quetais ,que só estavam ao alcance dos verdadeiros meteorologistas. Chegava a ser consultado pelos parceiros quando estavam interessados na previsão do tempo para determinada viagem ou evento ao ar livre, tanto assim que acabou ganhando o apelido de  Cléo Kuhnzinho,

Só que a especialização e a demanda por consultas cada vez mais frequentes parecem ter subido à cabeça do previsor do tempo amoroso, que já não exaltava mais suas musas televisivas,

- A verdade é que sei mais do que elas, que se limitam a ler o teleprompter, redigido por um especialista.

Mais ainda, passou a implicar com o tipo físico ( “um bando de magrelas”) e o figurino das moças (“parecem roupinhas compradas em brechós”) e a perda de espaço para garotos do tempo:

- Era só o que faltava: deixaram o empoderamento masculino se impor na previsão do tempo! Larguei o produto nacional. Agora estou me dedicando à garota do tempo da Televisa.

Para quem, como nós, seus companheiros de mesa, desconheciam a nova paixão do meteorologista fake, ele se apressou a traçar o perfil da mexicana, com o mesmo entusiasmo, quase êxtase, de quando anunciou, anos atrás, o surgimento das precursoras garotas do tempo na TV nacional.

- Não falei pra vocês? O manancial agora está no exterior. Tem garotas do tempo que aparecem em trajes sumários ou mesmo desnudas, como a minha nova ídala, Yanet Garcia, da rede mexicana Monterrey Televisión, sempre com vestidos justos e curtos, que salientam seu calipígio. E que calipígio!

Por via das dúvidas e para cotejar com a representação tupiniquim, fui conferir a beldade do tempo asteca e realmente ela eleva a temperatura da audiência cada vez que aparece. O problema é que a moça pode estar anunciando a possibilidade de mais um terremoto no México que o pessoal presta mais atenção na forma da apresentadora do que no  conteúdo meteorológico dela.

- Aqui o que temos é o Cleo Kuhm com  aquela voz de taquara rachada ou o magrelo do tempo da RBS TV. Não dá pra competir. – exalta-se o neo apreciador de moças do tempo estrangeiras.

Depois dessa, na mesa ao lado de nacionalistas de raiz, concluímos que estava na hora de voltar a falar em futebol e do excesso de volantes nos nossos clubes.  

 

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