*Publicado nesta data em coletiva.net
Nancy tem
mais em comum com a personagem da série Emily em Paris (Netflix) do que a letra y no final do nome. A rigor, não muito mais. Talvez até sejam parecidas fisicamente: a atriz, Lily
Collins, é uma magrela americana que, no seriado, vai trabalhar em Paris. Até
tem seu charme, mas fica a dever em comparação com as francesas do elenco, mais exuberantes e, por isso
mesmo, mais caldáveis.
Nancy chegou a fazer um
regime rigoroso para afinar a cintura e ficar mais próxima do estereótipo da personagem.
Assim passou a ter também em comum com a americana as pernas finas, com uma diferença
fundamental: os gambitos de Nancy são originários do Humaitá, bairro periférico
de Porto Alegre, que abriga a Arena do Grêmio ( “suis desole”, lamentaria ela, colorada) enquanto os de Emily vieram de
Chicago, a cosmopolita cidade no centro-oeste dos EUA, terra do time de
basquete Chicago Bulls.
Com muita determinação
Nancy superou todas essas diferenças culturais e econômicas e aportou em Paris
bem antes da Emily, que agora, de volta ao Humaitá, procura imitar como forma de matar a saudade
da sua amada Cidade Luz. Ao conseguir uma
bolsa de aperfeiçoamento em francês, pediu licença do emprego, vendeu o carro e
se mandou para Paris. Alugou um pequeno apartamento num arrondissement não muito
longe da região da Ilha da França (“Ile de France”, corrige) e passou a viver sua vida de pré Emily,
assumindo o lado pernóstico dos franceses e o estilo intrometido dos
americanos, com seu viés de superioridade.
Foi lá num café próximo
ao Arco do Triunfo que recebeu um amigo, de passagem pela cidade, ela vestida à
caráter no frio europeu, sem faltar a boina vermelha, à francesa. O relato do
encontro foi feito posteriormente pelo rapaz , numa noitada regada a cerveja,
na volta dele ao Brasil. Assim, os acontecimentos e opiniões a seguir são de inteira
responsabilidade desse personagem.
Tomaram um cappuccino,
colocaram a conversa em dia, pontuada de expressões francesas de parte dela . Muitos “c’est bom” depois, a moça fez um convite:
- Ça te dit? E já traduziu: Você topa?
Pelo olhar dela, ele já havia entendido a proposta
no original em francês e, então, o inevitável aconteceu. O reencontro derivou
para intimidades, intensas por sinal, porque ela estava há um bom tempo sem
praticar. O hotel dele era próximo ao
café e foi lá onde a transa aconteceu.
Depois saíram, como um
casal de namorados, a curtir a fria noite parisiense num tour pelo Quartier
Latim de vários brindes de um rouge nacional, francês de raiz, enquanto ela
cantarolava “Ne me quitte pas”, tentando
imitar, canhestramente, o lamento de Edith Piaf.
O romantismo da Cidade
Luz, porém, não prosperou quando ela voltou ao Humaitá, depois de seis meses no
exterior. Paris estava longe, mas agora havia a conexão Emily para lembrar os
bons momentos vividos no exterior. Nancy adotou o francês como segundo idioma,
às vezes o primeiro, e passou a adotar o figurino parisiense, com variações a
cada estação.
- A pessoa sai de
Paris, mas Paris não sai de “la personne”!,- justificava, com uma inflexão e
biquinho ao pronunciar “ personne”.
Corta para a França,
porque o amigo da neo francesa,
descobriu um contraponto a Nancy pra lá de interessante. É que a imitada Emily
contracena com uma quarentona em grande
forma, Sylvie (detalhe da letra y no nome), papel da atriz Philippine
Leroy-Beaulieu (detalhe do y no segundo nome), que viveu no Brasil, viajou
muito pelo país e não esconde que adora
tudo o que diz respeito à nossa terra. Como se estivesse presente a uma mesa de
café, igual aquela em que reencontrou Nancy, o amigo teria testemunhado o
diálogo da francesa de fato com um parceiro francês:
- Que pais fantastique,
o Brésil, mom amie, - falou num mix de francês e português, carregado de
sotaque.
Na série, Philipini
interpreta a elegante, mas implacável chefe de Emily e seu perfil, até pela faixa etária, é mais
condizente com nossa francesa do Humaitá, que, entretanto, prefere encarnar a
jovem e esfuziante Emily. E nesta
caracterização, Nancy justifica, quase
num lamento, sua paixão pela distante Paris.
-
J’ai quitté Paris, mais Paris ne m’a pas quitté. Eu sai de Paris, mas Paris não
saiu de mim.
Quando o ex affair de
Paris, num ocasional reencontro em Porto Alegre, disse não entender essa
preferência, foi logo atalhado por uma adaptação da frase imortalizada no final do filme
Casablanca:
- Sempre haverá Paris!
Ou melhor, mom Cherry: “ Nous aurons toujours Paris!
Só não havia As time
goes by para servir de trilha, enquanto no
café em Paris, Philippine tem outra
versão para sua amada terra distante, caprichando agora no português:
-
A gente deixa o Brasil, mas o Brasil continua na gente. Que pais maravilhoso!
Instintivamente batucou na mesa, como se estivesse ouvindo os acordes de Brasileirinho.
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