domingo, 28 de fevereiro de 2021

Méritos que não tive

Não foram poucas as vezes em que ouvi esta afirmação lá em casa:

- Este menino trabalha no Correio do Povo!

Era o coronel Dastro, meu pai, brigadiano de formação, orgulhoso do filho jornalista e exibindo-se para os visitantes. Nem eu era mais um  menino, nem trabalhava no Correio do Povo. Na  verdade, eu escrevia na extinta Folha da Tarde ou atuava na Rádio Guaíba, também na antiga Caldas Junior, mas quem tinha prestígio mesmo junto ao velho senhor era o Correião, já centenário  à época.

Nas primeiras vezes tentava timidamente repor a verdade diante das visitas, às vezes constrangidas com a revelação, outras vezes compartilhantes do orgulho de um pai com seu filho. Com o tempo, deixei transitar sem desmentido aquele emprego honorário em que o coronel Dastro insistia em me colocar. Que mal havia nisso?  Entretanto, jamais trabalhei no Correio do Povo e, assim, menos para o meu pai, ficou uma lacuna na minha carreira, pontuada pela participação nos principais veículos de comunicação de Porto  Alegre, em alguns casos, mais  de uma vez. 

Também nunca tive matéria editada na afamada revista Ícaro, da antiga Varig, mas houve um  tempo em que recebia  muitos elogios  pela autoria de textos e fotos naquela publicação. Só que a minha relação com a Ícaro era apenas de leitor, um leitor invejoso das qualificadas participações do jornalista e professor Flávio Dutra.  De início, tratava logo de desmentir a autoria.  Com tempo passei a não negar e também não assumia ser o autor, limitando-me a um sorriso de satisfação, até para não frustrar o interpelante. Sorry, tocaio.

Porém, nem tudo é  elogioso na relação com meu homônimo. Já fui xingado por posições políticas dele, como se fossem minhas e, pelo que sei, nem somos muito alinhados nesse caso. Outra situação, menos polêmica e que já descrevi em outro texto mas vale repetir, envolveu um querido amigo que, vendo anunciado na mídia  uma exposição  do Flávio Dutra, compareceu ao vernissage,

 Chegando cedo, acompanhado da mulher,  estranhou não conhecer os outros presentes (“Imaginava que o Flávio Dutra tivesse amigos mais fiéis”, admitiu que pensou na ocasião) e ficou aguardando, entre drinques e canapés,  a chegada do principal personagem do evento.  O tempo foi passando e nada do Flávio Dutra aparecer.  Duas taças de vinho e meia dúzia de salgadinhos depois,  nosso amigo se animou a perguntar:  “E o Flávio Dutra quando chega?” Foi então que descobriu que dono daquele espaço e momento, era o Flávio Dutra artista, que  já se encontrava há muito tempo no recinto, recebendo os merecidos cumprimentos pela mostra fotográfica. Só restou ao bem intencionado intruso também cumprimentar o autor e sair de fininho antes que a gafe fosse ampliada.

Hoje, só o que me causa constrangimento é ser chamado de  escritor ou de cronista. Sou um mero blogueiro que transforma seus textos em livros.  Juro que não é falsa modéstia. Se ao menos publicasse minhas crônicas no Correio teria as benções, de onde quer que se encontre, do orgulhoso coronel Dastro.

 

3 comentários:

  1. General Dutra, parabéns pelo belo texto mais amarrado, costurado que boca de sapo em sexta_feira 13... Quebra-costelas

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  2. Valeu, comandante. Nada como uma opinião qualificada.

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  3. Mazah! Nada mais natural do que aprender com quem sabe... eh eh eh. Belo relato.

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