Não tenho medo da morte, mas temo pelo esquecimento a partir do segundo dia depois que virar um montinho de cinzas. No dia do meu passamento parece que estou vendo aquele festival de cinismo nas redes sociais, as palavras de solidariedade, a recordação de um ou outro momento de convivência, lembranças de ações de que participei tratadas de forma exagerada, e muitos elogios à pessoa exemplar e ao profissional competente que eles acreditaram que um dia fui. Algum desafeto poderá citar algo em desabono, mas o mauca vai pegar leve porque haverá retaliação dos amigos de fé, que também os tenho. Não faltarão postagens de emogis lacrimejantes, coraçõezinhos partidos e até, de alguém distraído, um dedão de positivo.
Ex-amores se manifestarão, algumas discretamente, outras mais expansivas, entre elas as
que comparecerão ao velório para um emotivo adeus final ou, no outro caso, para ter certeza de que o sem-vergonha morreu mesmo. A personal funeral que já contratei cuidará
para que não haja confusão com elas.
Enfim, viverei,
aliás, morrerei um ou dois dias de glória nas redes sociais, com direito
a um cerimonial concorrido e agitado de encerramento de atuação neste vale de
lágrimas. Talvez mereça um obituário de 20 linhas na ZH com uma fotinho –
espero que escolham uma de boa aparência. Depois virá
o silêncio, o esquecimento.
Faço estas considerações, morbidamente debochadas,
para atenuar o impacto da perda de queridos
amigos e amigas, al.guns mais jovem do que eu, que vem ocorrendo com uma
frequência inquietante nesta quadra da existência que, com o acúmulo de anos, é naturalmente finaleira. Com
cada um que se foi tive uma história da nossa convivência para contar, a maioria
delas prazerosas e divertidas e é isso
que pretendo guardar na memória, para que o esquecimento não macule a memória
do companheiro que nos deixou. Se existe
outro plano, é certo que ainda nos encontraremos. Só espero que demore bastante.
Nada pessoal. É que não quero ser esquecido tão
cedo, por isso vai um viva a vida!
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