sábado, 6 de março de 2021

A moça do supermercado

 *Uma crônica  metida a conto.

Foi encantamento à primeira compra no supermercado. Enquanto as mercadorias passavam pelo ritual da caixa, ele se embevecia cada vez mais com os gestos da moça  que atendia naquele ponto. O modo gracioso  como ela pegava  cada produto, o jeito firme de desdobrar as sacolas de plástico e nelas introduzir as compras, cuidando para que tivessem afinidades, os dedos longos, com unhas pintadas de cor  escura,  acionando as teclas dos controles da  sua estação de trabalho e toda a atividade controlada por grandes olhos negros, realçados pela máscara protetora que limitava a visão à parte superior do rosto, aparentemente bem moldado e de pele morena.

O conjunto visível da obra atiçou ainda mais o interesse dele. Duas ou três tatuagens ornavam aqueles braços ágeis.  O cabelo liso castanho, era preso com um coque, comum a todas as outras moças, assim como o enfeite que arrematava o arranjo na cabeça. Mas no caso da   musa do varejo o resultado parecia feito só para realçar o charme dela.  Ficava imaginando como seria de corpo inteiro, já que  operava sentada, confinada e enfileirada como as parcerias de oficio, sem permitir uma visão mais ampla dos predicados estéticos da cintura para baixo. Isso pouco importava porque o que lhe fazia bem era a imaginação aguçada.

O dedo anular da mão esquerda portava uma aliança, ou seria um anel?  Mais imaginação correndo solta. A aliança significava um compromisso afetivo ou era uma forma de afastar tiozãos assediadores, como ele? Teria ela um relacionamento sério no melhor estilo  das redes sociais ou estaria à espera de um grande amor ou, ainda, na melhor das hipóteses, pensou, seria livre, leve e solta? Que histórias viveria além da firma? Voa pensamentos, voa!

O nome no crachá remetia às personas dos apps, Alexia, mas a voz era  extremamente suave, mesmo quando  perguntava:

- O senhor vai querer CPF na nota?

Só o que destoava na garota era aquele “senhor”.

Ele passou a frequentar o mesmo  supermercado mais do que devia e o efeito na sua conta bancária logo se fez sentir. Uma forma de chamar a atenção de Alexia foi adquirir produtos caros, de preferência importados, especialmente sugestivos vinhos e espumantes, as vezes cervejas de nomes estranhos, como quem esperava o momento adequado para indagar.

- Gostas de beber um espumante? Ou prefere uma cerveja?

Então, animou-se e  junto com o dinheiro das compras, deixou um bilhete. “Me liga (...). “, acompanhado do número do  celular.  Quando veio a esperada ligação, estava tudo  programado na mente dele: o convite para um encontro, a pronta aceitação e também de pronto, depois do happy regado a espumante rosê, já estavam dividindo a cama  num motel próximo ao emprego dela. Tudo o que ele imaginara em realizar  e mesmo o que nem imaginara, iria acontecer,  porque estava diante de um furor em forma de mulher e amante.   A noitada só terminou de madrugada quando se aproximava o turno dela no supermercado, mas  ele ainda insistiu em um último  e rápido embate sexual mesmo que ela estivesse vestida e pronta para partir. Rapidamente ele tomou a iniciativa de despi-la e quando começou o ritual, a imaginação, que já  voava bem alta, foi desfeita de repente:

- Senhor, senhor, vai querer CPF na nota?

- Hein? O quê? CPF? Ah, não precisa, obrigado.

Levemente ruborizado, como quem fora flagrado num ato obsceno, recolheu as compras e saiu da loja, enquanto exibia um sorriso maroto, que aos  olhos dos circunstantes parecia não fazer sentido. Mesmo com o sonho desfeito abruptamente, estava feliz pela sensação de ter vivido uma inesquecível aventura amorosa com Alexia. Até  gostaria de repetir a aventura,  mas por via das dúvidas nunca mais voltou aquela loja. Alexia, como as vozes femininas dos apps, definitivamente jamais se corporificaria por inteiro diante dele.

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