sábado, 20 de março de 2021

A moça do supermercado – Capitulo 2

*Inspirado em fatos reais, mas nem tanto

O tiozão se encantou com a moça do supermercado desde a primeira vez que a viu empacotando as compras dele.  O encantamento foi tão intenso que ele passou a assediá-la em pensamentos.  Chegou mesmo a fantasiar uma noitada de luxuria, da qual foi despertado com um pedido prosaico à beira do caixa:

- CPF na nota, senhor?

A moça tinha lá seus predicados  e mexia não apenas com o imaginário mas também  com o bolso dele, eis que se tornara um compulsivo consumidor naquele supermercado.  Frustrado, porém, com sua incapacidade para uma abordagem mais direta ao alvo de sua obsessão,  decidira  não mais frequentar a loja.  Tinha que ficar longe da tentação, pensou e prometeu.

Só que o recolhimento durou menos de um mês e logo lá estava ele consumindo o  essencial e o acessório, só para  poder interagir por  breves momentos  com sua musa. De tanto frequentar aquele ponto, ele sabia toda a escala de trabalho dela e passou a ser reconhecido pela moça a cada presença.

- Oi, tudo bem com o senhor?

Aquele “senhor” doía, mas era melhor do que “tio” e o sorriso compensava, mesmo que fosse atenuado pelo aparelho corretivo nos dentes.

Ainda sem coragem para iniciativas mais diretas, optou por mimoseá-la com pequenos agrados que fossem simbólicos, entregues discretamente na caixa, com uma desculpa encaminhada e num formalismo adequado a sua idade.

- Não me leve a mal, mas acho que isso aqui tem tudo a ver contigo. Poderias aceitar?

O primeiro agrado foi sugestivo: o livro Lolita, do russo Nabokov, que relata ocaso amoroso entre um professor de meia idade, como ele, e uma menina de 12 anos, o que não era o caso, mas, enfim, valia as segundas e terceiras intensões contidas na oferta literária.

Ele ficou ligeiramente decepcionado quando ela perguntou: “Tem bastante figuras neste livro? Gosto de livros com bastante figuras.” Aí se deu conta de que devia ter começado com o Pequeno Príncipe ou que a moça estava mais para as revistas Contigo e  Ti-Ti-Ti do que para os romances.

Foi uma brochada mental, mas ele logo se recuperou porque passou a imaginá-la atendendo no caixa vestida apenas com o crachá, que cobria só o umbigo e trazia estampado aquele nome que para ele era sinônimo de erotismo: Alexia. Durou pouco, porém, a fantasia, desmanchada por aquela maldita frase.

- CPF na nota, senhor?

(continua)

 

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