*Inspirado em fatos reais, mas nem tanto
O tiozão se encantou
com a moça do supermercado desde a primeira vez que a viu empacotando as
compras dele. O encantamento foi tão
intenso que ele passou a assediá-la em pensamentos. Chegou mesmo a fantasiar uma noitada de
luxuria, da qual foi despertado com um pedido prosaico à beira do caixa:
- CPF na nota, senhor?
A moça tinha lá seus
predicados e mexia não apenas com o
imaginário mas também com o bolso dele, eis
que se tornara um compulsivo consumidor naquele supermercado. Frustrado, porém, com sua incapacidade para
uma abordagem mais direta ao alvo de sua obsessão, decidira
não mais frequentar a loja. Tinha
que ficar longe da tentação, pensou e prometeu.
Só que o recolhimento
durou menos de um mês e logo lá estava ele consumindo o essencial e o acessório, só para poder interagir por breves momentos com sua musa. De tanto frequentar aquele
ponto, ele sabia toda a escala de trabalho dela e passou a ser reconhecido pela
moça a cada presença.
- Oi, tudo bem com o
senhor?
Aquele “senhor” doía,
mas era melhor do que “tio” e o sorriso compensava, mesmo que fosse atenuado
pelo aparelho corretivo nos dentes.
Ainda sem coragem para
iniciativas mais diretas, optou por mimoseá-la com pequenos agrados que fossem
simbólicos, entregues discretamente na caixa, com uma desculpa encaminhada e
num formalismo adequado a sua idade.
- Não me leve a mal,
mas acho que isso aqui tem tudo a ver contigo. Poderias aceitar?
O primeiro agrado foi
sugestivo: o livro Lolita, do russo Nabokov, que relata ocaso amoroso entre um
professor de meia idade, como ele, e uma menina de 12 anos, o que não era o
caso, mas, enfim, valia as segundas e terceiras intensões contidas na oferta literária.
Ele ficou ligeiramente
decepcionado quando ela perguntou: “Tem bastante figuras neste livro? Gosto de
livros com bastante figuras.” Aí se deu conta de que devia ter começado com o
Pequeno Príncipe ou que a moça estava mais para as revistas Contigo e Ti-Ti-Ti do que para os romances.
Foi uma brochada
mental, mas ele logo se recuperou porque passou a imaginá-la atendendo no caixa
vestida apenas com o crachá, que cobria só o umbigo e trazia estampado aquele
nome que para ele era sinônimo de erotismo: Alexia. Durou pouco, porém, a
fantasia, desmanchada por aquela maldita frase.
- CPF na nota, senhor?
(continua)
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