* Publicado nesta data em coletiva.net
Parece ser mania de
jornalista guardar papéis antigos, tipo documentos vencidos, matérias e
recortes de jornais e revistas, artigos que julgava interessantes, folders
promocionais e coisas do gênero, sempre com a certeza de que aquele acervo
seria utilizado mais adiante. Como tive muitos empregos ao longo da vida profissional
e sempre guardei subsídios sobre as funções desempenhadas, é fácil imaginar o que
acumulei de materiais, a maioria inútil agora. O tempo é um juiz implacável da
serventia futura desses guardados e seu veredito em relação ao que ficou retido
nas gavetas tem sido desfavorável em boa parte dos casos, sem direito a recurso.
Como acumulador
compulsivo, nem sempre consigo me desapegar do que um dia teve utilidade e que,
por isso, deve ser tratado com respeito, mesmo sendo um documento que beneficia
mais às traças do que a possibilidade de
reaproveitamento. Num fim de semana
recente, na busca ansiosa por um texto importante que eu imaginava estar
guardado numa pasta e que encontrei vazia, acabei confrontado com algumas preciosidades,
já esquecidas que um dia haviam existido. Coisas como seis passaportes, e olha
que nem viajei tanto assim, contracheques de todos os meus empregos - quando descobri
que já fui um milionário antes do advento do Real -, crachás de eventos e
serviços diversos, inclusive daquela campanha política com trabalhos prestados
ao Duda Mendonça (sei lá, daqui a pouco omito isso da minha biografia), e o que guardo com mais carinho, o da Copa de
1994, junto com os ingressos dos jogos a que assisti na Copa de 2014 e que ficarão para uma futura tarefa de
gincana, assim como outros itens serão reservados para o Memorial Flávio Dutra.
Foi também um mergulho
emocional no passado mais distante, quando me deparei com boletins escolares de
notas apenas satisfatórias, cadernos, um pra cada matéria, com uma caligrafia
tão mais caprichada do que a atual, e fotos, não muitas e todas em preto e branco, daqueles tempos
sonhadores e de menos
responsabilidades. Só não encontrei
minha coleção do Na Onda, o jornalzinho mimeografado que os amigos e eu
editávamos nos anos 1960 e que foi o nascedouro de minha vocação jornalística.
Cada item resgatado
remeteu a um recorte da vida, nem todos felizes, mas todos somando experiência.
O baú de memórias é isso, o depositário das experiências acumuladas e aí o
desprendimento é bem mais difícil.
Nada, porém, se compara
ao desapego de benquerenças e dos afetos
pessoais, este sim um processo sofrido e que só o tempo pode curar. Dito assim,
soa piegas, o que é verdade e uma incoerência diante do deboche que faço das
pieguices alheias. Que me sirva de lição no nível dos relacionamentos, mas
quanto a papelada e os bens materiais vale
a recomendação que pesquisei no
maior de todos os baús de memória, o Google: “Afinal, se coisas
boas se vão é para que coisas melhores possam vir. Esqueça o passado, desapego
é o segredo”. Voto com o relator, que seria o grande Fernando Pessoa. E se não for,
assino embaixo assim mesmo, para deixar de ser, com esse compromisso, o
acumulador obsessivo de inúteis retalhos do passado.
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