segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

As pessoas, o mesmo e aquele outro


* Publicado nesta data em coletiva.net

“As pessoas” é uma instituição cheia de atividades. Observe a naturalidade com que “as pessoas” se referem às “pessoas”.  Frases do tipo: “As pessoas estão usando muito...”, ditando comportamentos;  “As pessoas estão postando a mil nas redes sociais”, em modo digital;   “As pessoas não gostam que...”, em viés opiniático;  “Conheço pessoas que...”, afetando intimidade. E por aí vai. Quase um sujeito indeterminado esse “as pessoas”.

Na real, nada mais impessoal que “as pessoas”. “As pessoas” é um conjunto incorpóreo, sem rosto, mas tem a pretensão de ser uma parte de outro coletivo muito citado, a sociedade, e de representar a opinião pública como um todo, quando se manifesta nas conversas de terceiros. As vezes assume sua porção laranja, ao apelar  para as opiniões “das pessoas” para não  se comprometer. Sabe, aquela frase “as pessoas estão  dizendo que...”.  

A redução de “as pessoas” é o “gente” ou o “a gente”, sempre citado por repórteres e entrevistados sem muitos  recursos. Olha, se eu fosse ‘as pessoas’ me insurgiria contra este uso indevido e  abusivo da expressão que me acolhe.

O mesmo não seria necessário para “o mesmo”, uma entidade ligada umbilicalmente aos elevadores. Ninguém ainda viu “o mesmo” que é citado em todas as plaquetas de advertência junto as portas dos elevadores, assim: “Antes de entrar no elevador, certifique-se que o mesmo encontra-se parado neste andar”.  Até uma comunidade foi criada  por internautas “Eu tenho medo do mesmo”, como se fosse um ser  vivo e atuante, embora nunca visto, o que não impede “as pessoas” de adentrarem ao elevador sem a garantia de  que “o mesmo” encontra-se,  parado ou se movimentando, no andar. Uns puristas da língua insistem em que “o mesmo”  é uma expressão usada erroneamente nas plaquetas. Bah, se “o mesmo” sabe disso vai dar confusão e é até  capaz de ser visto  e protestando.

E tem “o outro”, muito usado em argumentações  do tipo “como diz o outro” ou “como diz aquele outro”, seguida de uma obviedade qualquer.  Embora pareça  muito próximo, porque é citado com frequência, as pessoas, mesmo as mais esclarecidas, não sabem mesmo de quem se trata, onde vive e do que se alimenta. Ou seja, o outro é  outra história.

Por  fim, duas sugestões de título para este texto: “O que faz a ociosidade” ou “Um texto cheio de aspas”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário