* Publicado nesta data em coletiva.net
“As pessoas” é uma instituição
cheia de atividades. Observe a naturalidade com que “as pessoas” se referem às “pessoas”.
Frases do tipo: “As pessoas estão usando
muito...”, ditando comportamentos; “As
pessoas estão postando a mil nas redes sociais”, em modo digital; “As pessoas não gostam que...”, em viés
opiniático; “Conheço pessoas que...”,
afetando intimidade. E por aí vai. Quase um sujeito indeterminado esse “as
pessoas”.
Na real, nada mais
impessoal que “as pessoas”. “As pessoas” é um conjunto incorpóreo, sem rosto,
mas tem a pretensão de ser uma parte de outro coletivo muito citado, a
sociedade, e de representar a opinião pública como um todo, quando se manifesta
nas conversas de terceiros. As vezes assume sua porção laranja, ao apelar para as opiniões “das pessoas” para não se comprometer. Sabe, aquela frase “as
pessoas estão dizendo que...”.
A redução de “as pessoas”
é o “gente” ou o “a gente”, sempre citado por repórteres e entrevistados sem
muitos recursos. Olha, se eu fosse ‘as
pessoas’ me insurgiria contra este uso indevido e abusivo da expressão que me acolhe.
O mesmo não seria
necessário para “o mesmo”, uma entidade ligada umbilicalmente aos elevadores. Ninguém
ainda viu “o mesmo” que é citado em todas as plaquetas de advertência junto as
portas dos elevadores, assim: “Antes de entrar no elevador, certifique-se que o
mesmo encontra-se parado neste andar”. Até uma comunidade foi criada por internautas “Eu tenho medo do mesmo”, como
se fosse um ser vivo e atuante, embora
nunca visto, o que não impede “as pessoas” de adentrarem ao elevador sem a
garantia de que “o mesmo”
encontra-se, parado ou se movimentando,
no andar. Uns puristas da língua insistem em que “o mesmo” é uma expressão usada erroneamente nas
plaquetas. Bah, se “o mesmo” sabe disso vai dar confusão e é até capaz de ser visto e protestando.
E tem “o outro”, muito
usado em argumentações do tipo “como diz
o outro” ou “como diz aquele outro”, seguida de uma obviedade qualquer. Embora pareça
muito próximo, porque é citado com frequência, as pessoas, mesmo as mais
esclarecidas, não sabem mesmo de quem se trata, onde vive e do que se alimenta.
Ou seja, o outro é outra história.
Por fim, duas sugestões de título para este
texto: “O que faz a ociosidade” ou “Um texto cheio de aspas”.
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