* Publicado nesta data em coletiva.net
Digamos que numa nação amiga um
poderoso vírus ameace boa parte da população
e o governo decida construir, de forma urgente e em tempo recorde, um hospital para atender os casos que começam
a ser registrados em vários pontos do
país. O exemplo veio da China, que
ergueu em apenas 10 dias um hospital com mil leitos para fazer frente aos
efeitos do coronavirus.
Na nação amiga o primeiro
problema é escolher o local onde será
construído o hospital. Os estados da
federação entram na disputa pela a obra, porque ela representaria um pesado
investimento federal, movimentando toda a economia regional e gerando preciosos
empregos. Enquanto isso, as cidades com potencial para sediar o hospital
enfrentam forte resistência da população, por conta do temor que o contágio se
alastrasse. O debate consume mais de 30
dias, com ferozes enfrentamentos nas redes sociais entre os contra e os
a favor da implantação do complexo hopitalar.
Outros 30 dias foram consumidos para decidir se o projeto
executivo da obra seria licitado ou não, tendo em vista tratar-se de uma
iniciativa emergencial. O Ministério Público exige licitação depois de mais de
três semanas de análise do caso. Feito o
projeto, devidamente licitado, o Tribunal de Contas aponta superfaturamento nos
custos e determina nova licitação. A
segunda empresa colocada no processo apela
para uma ação judicial, alegando que deveria ser a vencedora. O caso vai para o
Supremo da nação amiga que, naturalmente, fica dividido e precisa de três
sessões para chegar a uma decisão. Apenas o voto de uma ministra demandou uma sessão inteira, ninguém entendeu
nada dos argumentos dela, mas contribuiu para os mais 45 dias de atraso.
O presidente da República chega a
cogitar a criação de uma estatal para tratar do empreendimento, mas acaba
voltando atrás. Só que a indecisão deixa tudo em suspenso por uma semana.
Finalmente, o local é escolhido,
o projeto liberado e começa nova etapa e
nova discussão: licitar ou não a execução da obra. Mais 60 dias de idas e vindas burocráticas,
pareceres do MP, intervenções na Câmara
e no Senado, mais denúncias de sobrepreço, apontamentos do Tribunal de Contas,
liminares e decisões judiciais, até que a obra possa ter início.
Começa, enfim, a construção que,
porém, é suspensa logo na primeira semana. Motivo: sondagem geológica não
apontou a existência de uma enorme pedra que aparece agora no terreno. O projeto precisa ser refeito. Mais 60 dias de
atraso. A obra é retomada, mas não
avança porque a fiscalização do meio ambiente descobre um
pequeno butiazeiro na vizinhança do terreno e embarga a construção. Nova
alteração no projeto e mais 60 dias de retardo.
Tudo resolvido, a construção para
novamente devido a paralisação dos operários por falta de pagamento. A
empreiteira alega atraso nos repasses do governo. O governo argumenta que precisa uma suplementação orçamentária e
isso exige aprovação do Congresso. Foram
mais 90 dias de atraso, incluindo um recesso, e de acalorados debates e
custosas negociações, nada republicanas, com os aliados. O processo legislativo
só não se arrasta mais porque o Executivo lança mão de uma medida provisória
para agilizar a tramitação, com protestos veementes da oposição.
Quase dois anos depois, quando a
obra com seus 50 leitos finalmente fica pronta, a população infectada cresceu
em progressão geométrica. Nem assim o hospital começa a funcionar: os bombeiros
não permitem a abertura, cobrando o inexistente plano de prevenção contra
incêndios. Isso não impede que o governo da nação amiga,
diante do alastramento do virus, anuncie que vai construir um segundo hospital...
Determinadas coisas só acontecem
na nação amiga.
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