sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

De Aristóteles e Schopenhauer ao Banal Solene


Confesso que tenho uma inveja danada desse pessoal mais apetrechado intelectualmente que consegue definir pessoas e situações com uma frase, uma tirada. O  ex-deputado Ibsen Pinheiro, um frasista talentoso, falava de um dos seus tipos inesquecíveis,  o Banal Solene, exemplificando com  um colega de parlamento e conhecido homem de comunicação, como ele. O sujeito usava citações do tipo “os rios correm inexoravelmente para o mar”, uma lição que qualquer  criança do nível fundamental já sabe, mas que dita com a devida formalidade e acompanhada de um advérbio, ganhava uma conotação de ineditismo e frase de efeito.  Na mesma linha, Flávio Tavares fez uma brilhante síntese (ZH de 7,8 de dezembro) sobre os pronunciamentos de nossos mais recentes governantes: “Lula  repetia o óbvio com pompa, Dilma não completava as frases ou ideias, Temer rebuscava tolos lugares-comuns.”

Faço essa introdução sobre os ardis que a maior ferramenta que possuímos, a palavra, pode mostrar a propósito de um livro que encontrei num balaio na  Feira do Livro de Porto Alegre. O título já  diz  tudo:  “38 estratégias para  vencer qualquer debate’, com o subtítulo  “A arte de ter razão”. Trata-se  de uma preciosidade, com métodos  e truques na arte de usar as palavras na argumentação,  escrito por Arthur Schopenhauer, filósofo alemão que viveu entre 1788 e 1860. Mais de dois séculos depois, a obra se mantém atual como nunca e poderia servir de manual para qualquer  campanha eleitoral moderna, ou como afirma o linguista alemão Karl Otto Erdmann (1858-1931) na apresentação do livro “ (...) até mesmo em discussões  acadêmicas nos deparamos hoje com os mesmos truques utilizados há séculos”, muitos deles remontando aos  escritos de  Aristóteles (384 AC - 322 AC),  sempre citado pelo autor.  Partindo desses escritos, Schopenhauer desenvolve sua Dialética Erística, a arte de discutir de modo a ter razão.

Aqui vão algumas das estratégias elencadas pelo filósofo alemão. São aparentemente simples, mas diretamente eficazes para vencer debates.

Estratégia 9: “Disfarce seu objetivo final”, de forma que o oponente não saiba aonde você quer chegar e não possa se precaver.

Estratégia 20: “Não arrisque num jogo ganho”, se as premissas foram aceitas pelo oponente, não buscar nova confirmação, mas apresentá-las como verdades absolutas.

Estratégia 28: “Ganhe a simpatia da audiência e ridicularize o adversário”, aplicável especialmente quando pessoas  cultas discutem diante de uma plateia leiga.

Algumas estratégias são auto explicáveis como as de numero 29 –“ Não se importe em fugir do assunto se estiver a ponto de perder” – ou a 36 -  “Confunda e assuste o oponente com palavras complicadas.”

A cada uma das estratégias corresponderia  um exemplo no atual momento politico brasileiro ou em episódios  recentes, como a 32, que os editores do livro no Brasil (Faro Editorial) escolheram para ilustração. O enunciado é “ Cole um sentido ruim na proposta do outro”  e o exemplo é o ataque do então candidato  Bolsonaro, com a ideia do Kit  Gay, à campanha do Ministério da Educação para  combater a homofobia. A pregação amedrontou a população mais  conservadora e desinformada e, como resultado, conseguiu que vários políticos deixassem de apoiar o projeto.

O rol de dissimulações e pragmatismo do livro de Schopenhauer se encerra com esta pérola na estratégia 38: “Como último recurso parta para o ataque pessoal”, bem assim, no melhor estilo Olavo de Carvalho, deixando de lado o assunto em discussão (porque ali o jogo está perdido) para atacar de forma ofensiva e rude o adversário como última esperança de vencer o confronto. O autor ressalta que se trata de um truque muito apreciado, pois pode e costuma ser usado por qualquer um, por isso assume como única regra segura contrária aquela que Aristóteles (sempre ele) apresentou no último capítulo dos Tópicos:  não discuta com o primeiro que aparecer, mas só com quem tem conhecimento suficiente para não dizer coisas absurdas, que dispute com argumentos e não com afirmações de força e que valorize a verdade.

Pelo visto, Schopenhauer e Aristóteles não tinham nada de banal nem de solenes. O meu exemplar de as “38 estratégias para vencer qualquer debate” já está reservado para o candidato que pretendo apoiar na próxima eleição.

* Publicado em 20/01/2020  no coletiva.net

Nenhum comentário:

Postar um comentário