quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Nãs mãos do doutor House

Foi assim: estava sentindo uma dorzinha incômoda na região do abdômen e resolvi passar na emergência do Mãe de Deus para uma consultinha básica. Entrei no hospital pela manhã e só sai seis dias depois, como se o doutor House tivesse se materializado em Porto Alegre e com toda a sua equipe passasse a cuidar do meu caso. Essa idéia me passou pela cabeça a cada etapa em que avançada rumo às entranhas do hospital.

É curioso isso e deve ter sua lógica a dinâmica hospitalar: quanto mais se internaliza, mais séria a coisa fica para o seu lado. Primeiro, nas áreas da frente, tiram sua pressão, fazem uma série de perguntas e você é atendido pelo clínico – no meu caso, uma médica jovem e charmosa, o que me animou naquele momento de fragilidade. São providenciados os exames que vão confirmar um ou outro diagnóstico da médica, a jovem e charmosa: diverticulite ou apendicite.

Minha torcida passou a ser imediatamente pela apendicite, porque logo me veio à memória que Tancredo Neves fora hospitalizado com uma diverticulite e deu no que deu. Três exames depois, veio o veredito: apendicite e das agudas. Não havia motivos para comemorar. O bisturi me esperava, na verdade uma videolaparoscopia, e logo fui apresentado ao cirurgião, falante e objetivo, que me explicou que, diferente do se imagina, a apendicite entre adultos e mesmo veteranos como eu, não era incomum.

Elegi o cirurgião - Guilherme Pesce, ele é o cara - como o doutor House desse relato, não pelas idas e vindas dos diagnósticos que caracterizam a série americana, nem pela rabugice, mas pela segurança que passava. Soube depois pelas enfermeiras e técnicas de enfermagem que se tratava de um profissional muito competente e respeitado, mas a essa altura eu só queria saber o que aconteceria logo adiante.

A cirurgia estava marcada e fui encaminhado a uma sala de medicação, uma enfermaria mais interna, para receber soro e ser privado de qualquer alimentação ou liquido. Até agora não entendi o que acontecia naquela sala: era um entra e sai de pacientes, enfermeiros, auxiliares, médicos, numa movimentação que devia ter sua lógica, mas se tinha, não alcancei. E o pessoal da casa, menos mal, estava sempre animado e muito prestativo, apesar do caos organizado.

Confesso a vocês que esse foi o pior momento: uma longa espera de mais de seis horas até ser chamado para o “bloco” que é jargão utilizado pelo pessoal para designar a área cirúrgica. Pior foi agüentar o rapaz com um ferimento na cabeça que aguardava a ambulância ( atrasada!) para voltar para casa e a todo o momento ameaçava escapar da sala. E eu ali, tomando soro e esperado a hora fatídica. Será que eu posso falar de novo com a médica jovem e charmosa? Não, não pode. Será que eu posso tomar um golinho d’água ou um cafezinho? Não, não pode. Onde está doutor House, o falante e objetivo, para começar logo a cirurgia? Calma, logo o senhor será encaminhado para o ‘bloco’. Pelo menos agora a Santa já está junto dando apoio moral, afetivo e logístico. Santa Santa!

A noite chegou e com ela o chamado para o ‘bloco’, conduzido em cadeira de rodas, que vexame. Vexame maior viria em seguida quando o paciente se despe de suas roupas e do que ainda resta de dignidade e veste a “roupa” com que enfrentará a cirurgia. Chegou a hora da verdade e tremer é para os fracos. Éramos três com aquelas batas ridículas a espera do bisturi, cada um com seus problemas. Sinceramente eu era o mais animadinho e ao ser chamado para a sala de cirurgia desejei boa sorte ao que ainda estava na sala, que me devolveu um olhar de boi que vai para o matadouro.

A cirurgia é precedida de uma conversa com a enfermeira que vai acompanhar o procedimento e antecede a aparição de outro personagem – o anestesista. Jovem, simpático, repete as mesmas perguntas da enfermeira e antecipa a cobrança dos seus honorários - R$ 900,00 cash! Ainda tenho energia para protestar, mas o jovem e simpático argumenta que na sua profissão enfrenta uma barra, com chamados fora de hora e tudo o mais. Deve ser dura essa vida de anestesista, mas me ocorreu fazer uma proposta, digamos provocativa, ao me apresentar como jornalista:

- Tô trocando, doutor.

O jovem e simpático levou na flauta e agora me pergunta, eu já deitado na cama cirúrgica, se “está tudo bem?”. Quando o doutor House faz a mesma pergunta, logo em seguida, devolvi:

- Comigo tudo bem. Agora o paciente pergunta: e a equipe médica está pronta e segura?

Em seguida apaguei, sob o efeito da anestesia e acordei na sala de recuperação, calculo que três horas depois. Estou inteiro, menos um apêndice. Esse é um momento crucial: pouco a pouco começa a tomar contato com a realidade e a sentir os primeiros desconfortos do pós operatório. Entubado por uma sonda pelo nariz e preso ao soro, tenho dificuldade até para o mais simples movimento, sinto um leve enjôo e a retomada do sono é complicada. A vontade de fazer xixi é enorme e um dos olhos arde, sabe-se lá por que. Já no quarto, intuo as horas porque a TV é ligada no Programa do Jô..

Pela manhã sou acordado por dois técnicos em enfermagem, um homem e uma mulher, sugerindo que é hora do banho. Pode ser na cama ou no banheiro, informam. Lá sou homem de me deixar banhar na cama e, num momento de superação pessoal, vou para baixo do chuveiro, observado pelos dois. Não estava preparado para esse constrangimento, mas vamos em frente que está começando a terceira e última etapa dessa jornada.

Para resumir, como o apêndice estava mais inflamado e dera mais trabalho, o médico determina um período maior de resguardo, vale dizer de hospitalização, estimado em cinco dias. Período em que, acarinhado pela família (Mariana apareceu de surpresa, vinda de Buenos Aires), dediquei-me a leitura, a sessões de internet e a assistir a TV, enquanto era visitado em todos os turnos, que começavam às 4 da matina, ora pelos técnicos de enfermagem me espetando de todas as formas e auscultando os sinais vitais, ora pelas enfermeiras de plantão, ora pelas nutricionistas e até pela freira da Pastoral da Saúde. Os médicos, nosso Doutor House mais o cardiologista, batiam ponto sempre pela manhã.

Duro foi vencer o primeiro dia com uma dieta apenas de líquidos e gelatina, o que me levou a um decisão: nunca mais vou beber suco de pêssego. Depois, até passei a gostar das mordomias, embora invasivas e restritivas, mas comecei também a contagem regressiva para a alta.

- Os resultados dos exames foram bons e tá na hora de ir pra casa, informou o nosso doutor House na manhã no sexto dia de reclusão.

Foi só o tempo de ouvir as ultimas recomendações do médico, apanhar minhas tralhas, agradecer a atenção do pessoal e lá me fui pra casinha, que é o melhor lugar do mundo.


Hesitei muito antes de escrever e divulgar esse relato, receoso de que um problema pessoal de saúde pudesse passar uma idéia de coitadismo, de uma situação dramática ou algo do gênero. Nada disso: fui muito bem tratado no Mãe de Deus, em todas as instâncias e etapas, certamente porque tenho cobertura de um plano de saúde privado, mas principalmente porque toda a equipe do hospital está comprometida em fazer o melhor e o faz com satisfação. Pelo menos foi essa a minha percepção. Vale o mesmo para a equipe médica, presente todos os dias. O que me levou a escrever e tratar o assunto com naturalidade e alguma graça, foi destacar a importância de buscar a avaliação médica na hora adequada, sob pena de agravar um problema para o qual não damos a devida atenção. Atender aos reclamos do corpo, ainda mais depois de uma certa idade, é fundamental. A ficha me caiu quando tomava um expresso com o companheiro Cláudio Thomas e ele contou o sucedido com um amigo comum. Os sintomas eram os mesmos, uma dor persistente na barriga, que foi diagnosticada como câncer – a palavra que eu temia ouvir, confesso agora -, quando o nosso amigo finalmente decidiu recorrer aos cuidados médicos. O dado positivo é que o amigo está reagindo bem ao tratamento. Estou na torcida, Moisés.

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